83 organizações repudiam decretos de Bolsonaro que facilitam acesso às armas

 Uma nota assinada por 83 organizações da sociedade civil manifesta repúdio e preocupação diante dos novos decretos publicados pelo governo de Jair Bolsonaro na última sexta-feira (12) que multiplicam as quantidades de armas e munição que cada cidadão pode comprar e portar licitamente, ao mesmo tempo que reduzem o controle do Exército e da Polícia Federal na fiscalização do comércio e aptidão para o porte.

A nota é organizada pela Rede Justiça Criminal, coalizão de nove organizações que luta contra o encarceramento em massa e por um sistema de justiça que não viole direitos, e assinada por organizações como Comissão Arns, Educafro, Agenda Nacional pelo Desencarceramento e Instituto Ethos. 

Para as organizações, o armamento que agora terá maior facilidade para circular legalmente irá alimentar o mercado ilegal e armar as milícias presentes em todo o país. 

Confira a nota completa abaixo:
 

A Rede Justiça Criminal vem a público manifestar repúdio e máxima preocupação diante dos novos decretos publicados pelo governo federal que multiplicam as quantidades de armas e munição que cada cidadão pode comprar e portar licitamente,  ao mesmo tempo que reduzem o controle do Exército e da Polícia Federal na fiscalização do comércio e aptidão para o porte. Além de terem sido publicadas de forma açodada, sem estudo de impacto social ou consulta à sociedade civil, representam um risco à sociedade, uma vez que ampliam o acesso ao armamento que pode ter como destino a ilegalidade. 

De acordo com o pacote de alterações publicado no dia 12 de fevereiro de 2021, que altera os decretos n.º 9.845, 9.846, 9.847 e 10.030, cada pessoa autorizada, por exemplo, poderá adquirir até seis armas de uso permitido. Integrantes de instituições como as Forças Armadas, Polícias e membros da Magistratura e do Ministério Público poderão adquirir mais duas armas de uso restrito, totalizando a permissão para o uso de oito armas. Permite que atiradores adquiram até 60 armas e caçadores até 30, só sendo exigida autorização do Exército Brasileiro quando superar essa quantidade. A aptidão psicológica exigida para que atiradores e colecionadores tivessem acesso ao armamento e que era antes atestada por laudo de profissional cadastrado pela Polícia Federal agora poderá ser emitida por qualquer psicólogo com registro no Conselho Regional de Psicologia.

É inaceitável que, sob o pretexto de regulamentar o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), o governo subverta a vontade do legislador, acrescida de amplo debate público, que criou uma política de controle responsável de armas e munições e estabeleceu o conceito de efetiva necessidade como condição indispensável para a aquisição de arma de fogo.

Mudanças como essas deveriam passar pelo necessário debate nas duas casas do Congresso Nacional. Em junho de 2019, a tentativa do governo de flexibilizar as regras para posse e porte de armas foi paralisada pelo Senado Federal após a aprovação de um Projeto de Decreto Legislativo que sustava a medida do Executivo. Temendo a derrota na Câmara, Bolsonaro recuou e enviou um projeto de lei sobre o tema. 

Nesse ponto, destacamos que o relatório final da CPI do Tráfico de Armas (2006) ressalta que as apreensões feitas pela polícia mostram que “A análise inédita de mais de 150 mil armas levou esta Comissão a revelações surpreendentes, e gravíssimas, como a denúncia de que a maioria esmagadora das armas apreendidas com a bandidagem foi originalmente vendida pelas fábricas brasileiras a lojas estabelecidas, e para o próprio Estado, principalmente para suas polícias, e daí foram desviadas para o crime”[1].

O armamento que agora tem maior facilidade para circular legalmente irá, de acordo com as conclusões da CPI e de outros estudos[2], alimentar o mercado ilegal e armar as milícias presentes em todo o país. Além disso, no país com maior número absoluto de homicídios do mundo, já sabemos quem pagará a conta: jovens, negros, pobres e de periferia.

Por fim, a priorização de medidas que ampliam o descontrole sobre o porte e comércio de armas no contexto de uma das maiores crises sanitárias já vividas no mundo, em que somente no Brasil já morreram quase 240 mil pessoas até o momento da escrita desta nota, é mais uma evidência de que a morte está na centralidade da política empreendida pela atual gestão do Executivo.


Assinam a nota:

  1. Agenda Nacional pelo Desencarceramento 
  2. Aliança Nacional LGBTI+ 
  3. AMART 
  4. APEOESP – Sindicato da Educação do Estado de São Paulo 
  5. App Sindicato 
  6. Associação Brasileira de Lesbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexo –
    ABGLT 
  7. Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas – Abraça 
  8. Associação Comunitária Trupe 
  9. Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo 
  10. Associação de Mães e Amigos da Criança e Adolescente em Risco – AMAR Nacional 
  11. Associação de Produção e Consumo Consciente Comércio Justo e Solidário 
  12. Associação dos Amigos e Pessoas com Deficiência de Tramandaí 
  13. Associação Maringaense LGBT 
  14. Associação Pano de Roda 
  15. Banquetaço 
  16. Católicas pelo Direito de Decidir – Brasil 
  17. CEDECA D. Luciano Mendes – Associação Beneficente São Martinho 
  18. CEDIM RJ – Conselho Estadual dos Direitos das Mulheres 
  19. Centro de Direitos Humanos de Sapopemba – CDHS 
  20. Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos 
  21. Cidades Afetivas 
  22. Coletivo aBertha 
  23. Coletivo Arte e Cidadania 
  24. Coletivo Familiares e Amigos de Presos e Presas do Amazonas 
  25. Coletivo Mangueiras 
  26. Coletivo RJ Memoria, Verdade, Justiça e Reparação 
  27. Comissão Arns 
  28. Comissão de Defesa do Estado Democrático de Direito da OAB-RJ 
  29. Comissão Pastoral da Terra 
  30. Comitê Elos da Cidadania 
  31. EDUCAFRO Brasil 
  32. Escola de Ativismo 
  33. Ethos Cidadãos 
  34. Fórum Grita Baixada 
  35. Fórum Nacional dos Usuários do Sistema Único de Assistência Social – FNUSUAS Região Sudeste 
  1. Fórum Permanente de Saúde no Sistema Penitenciário 
  2. Fórum Social de Manguinhos 
  3. Frente Estadual Pelo Desencarceramento do Amazonas 
  4. Frente pelo Desencarceramento do Rio de Janeiro 
  5. Fundação Avina 
  6. Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares – GAJOP 
  7. Geledes – Instituto da Mulher Negra 
  8. GESTOS- Sororopositividade, Comunicação e Gênero 
  9. GTP+ 
  10. IBD – Instituto Brasileiro da Diversidade 
  11. INESC – Instituto de estudos socioeconômicos 
  12. Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial-Baixada Fluminense-RJ 
  13. Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas 
  14. Instituto de Estudos da Religião – ISER 
  15. Instituto de Promoção e Proteção de Direitos Humanos 
  16. Instituto Ethos 
  17. Instituto Igarapé 
  18. Instituto Pensar 
  19. Instituto Physis 
  20. Instituto Terra Trabalho e Cidadania 
  21. Mãe das Periferias 
  22. Mães de Manguinhos 
  23. Mães do Curió/Movimento de Mães da Periferia de Vítima Por Violência Policial do Estado do Ceará 
  24. Movimenta Caxias 
  25. Movimento Acredito 
  26. Movimento Acredito Santa Catarina 
  27. Movimento das Mães da Cinelândia 
  28. Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua 
  29. Núcleo Observatório das Metrópoles – Maringá 
  30. O Instituto (Associação Cultural de Estudos Contemporâneos – Instituto) 
  31. Pastoral do Menor Arquidiocese de Vitória – ES 
  32. Pastoral do Menor – Belford Roxo 
  33. Pastoral do Meu Menor 
  34. Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político 
  35. Policiais Antifascismo no Paraná 
  36. Projeto Cidadania 
  37. Projeto Saúde e Alegria 
  38. Rede Antirracista Quilombação 
  39. Rede Brasileira de Conselhos – RBdC 
  40. Rede de Comunidade e Movimento contra Violência 
  41. Rede de Mães e Familiares Vítimas de Violência da Baixada Fluminense 
  42. Rede de Proteção e Resistência 
  43. Rede do Cuidado 
  44. Rede Feminista de Juristas 
  45. Rede Justiça Criminal 
  46. Todos por Floripa 
  47. Visão Mundial 
  48. WWF Brasil

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[1] Relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito Destinada a Investigar as Organizações Criminosas do Tráfico de Armas (2006).

[2] O Instituto Sou da Paz já realizou diversas pesquisas que demonstraram resultados semelhantes aos da CPI do Tráfico de Armas. Os estudos estão disponíveis em http://soudapaz.org/

MAIS INFORMAÇÕES:

Giovanna Preti
Assessora de Comunicação Rede Justiça Criminal

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