Atual diretor da Alego que foi constituinte, ex-deputado Álvaro Guimarães lembra lances da elaboração do documento que, segundo ele, trouxe avanços institucionais, como o fortalecimento dos municípios goianos.
Foi em um 5 de outubro, mais especificamente 5 de outubro de 1989, que o deputado Milton Alves, então líder do PMDB (hoje MDB) e presidente da Assembleia Estadual Constituinte (AEC), declarou promulgada a 5ª Constituição do Estado de Goiás (há ainda uma outra, a de 1945, que foi outorgada), exatamente um ano após ser promulgada a Constituição do Brasil. No Plenário da Alego reuniram-se, após 232 dias de trabalho, vários representantes das esferas municipal, estadual e federal dos três poderes goianos que ajudariam a recompor o novo processo de redemocratização nacional, iniciado após o fim da Ditadura Militar (1964-1985).
“Esta não é a Constituição dos nossos sonhos, mas de nosso tempo, espelhando a nossa realidade, carências e aspirações; a caixa de ressonância das diversas camadas sociais. Roguei a Deus todos os dias para que me iluminasse e me desse equilíbrio e serenidade para timonear o barco da História. Povo goiano, entregamo-lhes a nova Constituição. Tome-a: é sua. Seja seu guardião”, disse Milton Alves ao declarar promulgada a nova Carta Magna de Goiás.
Instalação
Os trabalhos da AEC tiveram início com a sua solenidade de instalação, realizada no começo da tarde do dia 22 de novembro de 1988. A sessão foi comandada pelo então presidente da Alego, deputado Frederico Jayme (o parlamentar renunciaria ao cargo de deputado em março de 1989 para virar conselheiro do Tribunal de Contas do Estado-TCE-GO).
No discurso inaugural, Frederico Jayme, que também presidiu provisoriamente a AEC até a eleição e posse da Mesa definitiva (realizada em 15 de fevereiro de 1989), comemorou os progressos alcançados no que diz respeito às conquistas sociais, políticas e tributárias da Constituição Federal e ressaltou suas implicações para as constituições estaduais, já que estas estão subordinadas a ela hierarquicamente. Em seguida, atraiu a atenção dos presentes para as características específicas da realidade em Goiás, como a necessidade de regulamentar a atividade agropastoril e criar políticas de proteção ambiental, promoção da saúde, melhoria da infraestrutura educacional e de transporte, valorização cultural, incentivo ao turismo e à industrialização no estado, entre outras particularidades.
Ao longo dos exatos 232 dias, reuniões de comissões foram intercaladas e deram suporte às deliberações plenárias. Ao todo, como fruto desse trabalho, foram encaminhados ao Plenário três sucessivas versões para o novo texto constitucional, intitulados Projeto II, Projeto Final A e Projeto Final B.
A primeira versão foi entregue pelo constituinte Heli Dourado, durante a 17ª sessão extraordinária, realizada em 9 de agosto de 1989. A leitura do documento aconteceu na sessão do dia seguinte (18ª extraordinária). Os projetos constitucionais subsequentes (A e B) englobaram, então, as emendas acrescidas, em Plenário, ao esboço inicial. O documento final, promulgado no dia 5 de outubro de 1989, reuniu 181 artigos.
Deputados que assinaram a nova Carta Magna Estadual
Estiveram presentes na solenidade e assinaram a nova Carta Magna Estadual, os seguintes deputados constituintes:
– Agenor Rezende
– Altamir Mendonça
– Álvaro Guimarães
– Antônio Moura
– Ataíde Borges
– Athos Magno
– Benvindo Lopo
– Brito Miranda
– Carlos Rosemberg
– Célio Costa
– Cleuzita de Assis
– Conceição Gayer
– Divino Vargas
– Eurico Barbosa
– Francisco de Castro
– George Hidasi
– Geraldo de Souza
– Hagahús Araújo
– Heli Dourado
– Jamil Miguel
– José Alberto
– Manoel de Oliveira
– Mário Filho
– Mauro Netto
– Milton Alves
– Nerivaldo Costa
– Osmar Cabral
– Oswaldo Rezende
– Paulo Reis
– Paulo Ribeiro
– Romualdo Santillo
– Rubens Cosac
– Sílvio Paschoal
– Solon Amaral
– Totó Cavalcante
– Vilmar Rocha
– Virmondes Cruvinel
– Vítor Ricardo
– Wagner Nascimento
– Warner Prestes.
Apenas o deputado constituinte Walter Rodrigues não compareceu à sessão e não assinou o documento.
Avanços
São incontáveis os avanços institucionais que a Constituição Estadual de 1989 trouxe para Goiás. Um exemplo é o Ministério Público que hoje é, reconhecidamente, uma instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, ajudando a defender a ordem jurídica e o regime democrático. Não era assim, entretanto, antes da Constituição Federal de 1988 e da Estadual de 1989.
Até a promulgação da nova Constituição, o Ministério Público vivia em estado de permanente confusão, ora atuando como advogado do Estado — muitas vezes até contra o interesse democrático, ora sendo fiscal da atuação de prefeitos, governadores e do presidente da República, mas com poderes e autonomia reduzidas. Com as novas Constituições Federal e Estadual, o Ministério Público se tornou de fato autônomo, independente do Executivo, Legislativo e do Judiciário, passando a ser defensor da democracia, dos direitos humanos, dos direitos sociais e individuais.
Ao Ministério Público está dedicada a Seção I do Capítulo IV da Constituição Federal — artigo 127 a 130, que tratam das funções essenciais à Justiça. Já na Constituição de Goiás, na Seção V, os artigos 114 a 117 tratam exclusivamente do Ministério Público. Antes disso, não existia a figura jurídica da Ação Civil Pública (item III do artigo 117 da Constituição Estadual). A proteção do meio ambiente, a defesa das minorias e dos direitos humanos passaram a existir de fato dentro da instituição.
As licitações e leilões também passaram a ser regra nos Três Poderes, uma conquista institucional a partir do inciso XXI do mesmo artigo 92, quando a Constituição Estadual de Goiás estabelece que “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações, sendo que, nas alienações, obedecer-se-á, preferencialmente, à modalidade de leilão público”.
Com a Constituição Estadual de 1989, houve melhora também no controle e fiscalização dos gastos públicos. O artigo 92 da Constituição Estadual ajudou a consolidar o ambiente democrático e republicano, estabelecendo que a “administração pública direta e indireta, de qualquer dos Poderes do Estado e dos municípios, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade e motivação”.
É o artigo 92 que também estabelece que o ingresso permanente em qualquer instituição pública, nos Três Poderes, só poderá ser realizado via concurso público. O inciso II da Constituição Estadual de Goiás deixa claro que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”, ressaltando o princípio da impessoalidade, presente explicitamente no início do artigo 92.
Uma conquista posterior à Constituição foi a Lei de Acesso à Informação, que regulamentou o direito constitucional de acesso às informações públicas. Essa norma entrou em vigor em 16 de maio de 2012 e criou mecanismos que possibilitam, a qualquer pessoa, física ou jurídica, sem necessidade de apresentar motivo, o recebimento de informações públicas dos órgãos e entidades.
Municipalismo
Único deputado da Constituinte de 1989 que exerceu mandato na Assembleia Legislativa até recentemente (atualmente é segundo suplente de deputado estadual), o deputado Álvaro Guimarães (que é atual diretor parlamentar da Alego) era filiado ao PDC na época, segundo maior partido da Casa naquela Legislatura, e principal partido de oposição ao Governo de Henrique Santillo (então no MDB).
Álvaro afirma que sua principal bandeira na Constituinte de 1989 era a do municipalismo, até por ter sido vereador nos anos 1970. “Antes da Constituição Federal de 1988 e da Estadual de 1989, os municípios viviam de ‘pires nas mãos’, uma situação muito pior que a de hoje, inclusive”, assinala. “Não existia Fundo de Participação dos Municípios-FPM, município não tinha independência financeira nenhuma, hoje é diferente porque os municípios, com boa dotação orçamentária, nem precisam de governo estadual ou federal, mas antigamente todos precisavam”, aponta. Segundo Álvaro, a Constituição Estadual “foi ainda mais municipalista” que a Federal.
Outra bandeira que ganhou força com a Constituinte, segundo Álvaro, foi a independência do Legislativo estadual e dos Legislativos municipais, “inclusive independência financeira”, sublinha. “Antes de 1989, as câmaras de vereadores não tinham dotação orçamentária significativa e os salários eram praticamente simbólicos”, destaca. Ele também lembra que houve impasses, mas afirma que a instalação da Constituinte foi “uma necessidade, uma obrigação, como ocorreu em todos os demais estados da União” e ninguém fugiu dessa obrigação. Ele lembra que a Constituição Estadual, assim como a Federal, também ficou conhecida como uma “Constituição Cidadã”.
Álvaro não se esquiva ao ser questionado sobre o que faltou para a Constituição de 1989 ser ainda melhor: lembra que a Carta contemplou bem praticamente todas as áreas, mas talvez tivesse que ser ainda mais municipalista. “Talvez a questão fiscal, de controle dos gastos, que melhorou demais com a Constituição e depois com a Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000, tivesse que ser ainda mais rigorosa”, afirma. Ele aponta, também, para a necessidade de uma reforma administrativa, tributária e eleitoral. “E muito dessa questão fiscal seria resolvida tirando dinheiro da União e repassando direto para os municípios. Isso diminuiria a penúria”, afirma.
Segundo Álvaro Guimarães, os partidos que realmente tinham voz na Constituinte eram o MDB, o PDC, o PFL (hoje DEM) e o PT, com o MDB em ampla maioria sendo Governo e o PDC, PFL e PT na oposição, embora com ideologias diferentes. “A oposição não foi menosprezada na Constituição, muito pelo contrário. Essa foi uma Carta Magna suprapartidária, mesmo porque estávamos fazendo um instrumento para atender ‘gregos e troianos’, todas as cores, raças, segmentos, sexos e ideologias”, afirma. “E havia muitas audiências públicas e as sugestões feitas nessas audiências eram acatadas. Fizemos dezenas de audiências públicas.”
Álvaro não nega que havia muitas forças de pressão naqueles tempos de Constituinte. “Tinha lobby demais nessa Constituinte. Lembro de receber vários juízes, empresários, vereadores, prefeitos em meu gabinete, todos em busca de fazer lobbies para que a Constituinte estivesse a favor de seus interesses. Isso era muito constante nos gabinetes e até nas próprias comissões”, relata.
Álvaro diz, com orgulho, que a devolução de 50% do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) para os municípios foi fruto de uma emenda proposta por ele na Constituinte. Os 50% caíam na hora do pagamento do imposto e não mais contava com repasse do governador, “que era algo ruim, pois tinha componente político”. E, segundo ele, antes de 1989 apenas 25% do IPVA eram destinados para os municípios, e não 50% como é hoje. “Essa divisão do bolo do ICMS também se originou na Constituição, com 20% destinados aos municípios, pois antes não ia nada”, afirma.
Álvaro diz que não fez parte das comissões temáticas, mas integrou a comissão principal, da redação final da Constituinte, que tinha como presidente Heli Dourado, do PDC, e como relator Solon Amaral, do MDB. “Fui assíduo, não faltei a nenhuma reunião sequer”, ressalta com orgulho.
Agência Assembleia de Notícias Compartilhar