A fraude no INSS e a indignação que não veio

by Amarildo Castro

(*) Aline Mara Gumz Eberspacher*

Nas últimas semanas, o Brasil foi novamente confrontado com um escândalo que, embora revoltante, parece não ter despertado a indignação coletiva que se esperava: a fraude no INSS que resultou no desconto indevido de valores das aposentadorias. Inicialmente, podem parecer cifras modestas, quase imperceptíveis no extrato mensal. Contudo, a soma desses pequenos golpes revela uma dimensão alarmante, com estimativas apontando para um prejuízo que pode atingir a cifra de R$ 6,3 bilhões. 

Reportagens recentes indicam que as deduções indevidas tiveram início antes de 2019. No entanto, o quadro se torna ainda mais sombrio com relatos de retratos que descrevem o início desses descontos em dados tão distantes quanto 2006. Esses cidadãos, ao longo de anos, buscaram respostas e soluções, mas frequentemente se depararam com um jogo de empurra, sendo orientados a procurar as associações responsáveis, que, por sua vez, deveriam zelar por seus direitos. 

Uma análise superficial poderia levar à tentação, e politicamente conveniente, concluir de que a responsabilidade recai sobre este ou aquele governo. Se considerarmos o marco de 2019, o problema teria emergido ou se intensificado durante a gestão Bolsonaro. Se retrocedemos a 2006, a origem remontaria ao primeiro mandato do presidente Lula. Contudo, a cerne desta reflexão não reside na atribuição de culpas partidárias, mas sim na incômoda constatação de inércia e passividade que parece ter se tornado permanente na população brasileira. 

É fundamental ponderar o impacto real dessas fraudes na vida de quem mais contribuiu. No Brasil, onde uma vasta parcela de retidos, mais de 70%, sobreviveu com rendimentos no limite do salário-mínimo ou pouco acima dele, qualquer desconto, por menor que seja, representa um rombo em significativo seu já combalido poder de compra. São valores que deixam de ser destinados à alimentação, medicamentos ou ao mínimo de dignidade na terceira idade. A questão que se impõe é: como um esquema dessa magnitude, prejudicando um grupo tão vulnerável, não foi capaz de mobilizar a sociedade? 

O que surpreende, e de fato assustador, é a ausência de uma ocorrência social robusta. Não se viram panelaços ecoando pelas janelas, passeatas ocupando as ruas ou qualquer outra forma de manifestação coletiva que expressasse a repulsa a esta situação e reivindicasse não apenas a interrupção da sangria, mas o ressarcimento integral, e preferencialmente com juros, aos lesionados. 

Essa aparente letargia social pode ser interpretada de diversas formas. Seria a falta de unidade, a desinformação crônica ou, quem sabe, uma descrição generalizada na própria potência e capacidade de transformação que impede os brasileiros de se levantarem contra as opressões? Parece haver uma facilidade tácita, um conformismo que permite que injustiças de toda ordem se perpetuem sem uma contestação devida. 

É preciso romper com o ciclo de reivindicação, unir forças e exercer os direitos que são sistematicamente ultrajados. A fraude no INSS é apenas mais um sintoma de uma doença maior: a passividade frente ao inaceitável. A mudança não veio de gabinetes ou decretos isolados, mas da pressão popular consciente e organizada, que exija respeito, transparência e, acima de tudo, justiça. 

*Aline Mara Gumz Eberspacher é doutora em Sociologia pela Universidade Paul Valéry, na França, e coordenadora de pós-graduação do Centro Universitário Internacional Uninter. 

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