Amazônia Legal corre risco de ser cortada por ferrovias, hidrovias e rodovias, aponta levantamento inédito do IEMA

by Amarildo Castro
Dados do Instituto de Energia e Meio Ambiente mostram a importância de critérios socioambientais no planejamento da infraestrutura de transportes

O Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) realizou um levantamento inédito a partir de dados do Mapa Interativo das Infraestruturas de Transporte, que reúne informações sobre obras em andamento (em construção) no Brasil e projetos do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e Plano Plurianual 2024–2027 (PPA), com foco na Amazônia Legal. Os dados evidenciam a dimensão da expansão de rodovias, hidrovias e ferrovias na região. Vale lembrar que, no segundo semestre, Belém (PA) será palco da COP 30, conferência global sobre clima. No Brasil, o debate climático precisa considerar o impacto das obras de infraestrutura de transporte, historicamente grandes vetores de desmatamento, sobretudo na Amazônia.

Esse cenário torna ainda mais importante discutir como o país organiza seus investimentos. O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), o Plano Plurianual (PPA) e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – iniciativa do atual governo federal brasileiro – estruturam e viabilizam a maior parte das obras de infraestrutura no Brasil. O PPI atrai capital privado para concessões e projetos, o PPA define em quais empreendimentos o dinheiro público será alocado a cada quatro anos e o PAC busca acelerar grandes projetos desses planos de forma a priorizá-los. Todos eles precisam estar alinhados a um planejamento de longo prazo que considere os impactos socioambientais.

Veja um resumo das informações do Mapa Interativo das Infraestruturas de Transporte
Ferrovias na Amazônia e/ ou conectadas à regiãoA expansão ferroviária avança rapidamente com:4 rotas ferroviárias em processo ou estudo de concessão;2 rotas ferroviárias em construção;13 ferrovias autorizadas, instrumento criado para ferrovias que permite a construção delas com orçamento privado sem necessidade de concessão.

No PPI, as concessões previstas incluem: Corredor Leste-Oeste (Fico/Fiol), ligação de Mato Grosso à Bahia, passando por Goiás; Ferrogrão (Sinop/Miritituba), eixo logístico no Mato Grosso até o Pará; Extensão da Ferrovia Norte-Sul (Açailândia/Barcarena), entre Maranhão e Pará. As concessões do Corredor Leste-Oeste e a Ferrogrão também aparecem no PAC (Plano de aceleração do crescimento).
No PPA, está prevista a construção de duas grandes rotas ferroviárias: Corredor Leste-Oeste (Fico/Fiol); Transnordestina, interligando a Ferrovia Norte-Sul, Pernambuco, Ceará e Piauí. O orçamento público, nesses casos, está aquém do valor total dessas obras, indicando que é usado principalmente para ações complementares como planejamento, estudos, supervisão e desapropriações. Os trechos Salgueiro-Pecém (PE) e Eliseu Martins (PI)-Porto Franco (MA) da Transnordestina também aparecem como estudo para concessão no PAC.

Hidrovias na Amazônia Legal
O levantamento aponta um conjunto relevante de projetos e obras para os principais rios da região:Estudos de concessão em 2 hidrovias (Madeira e Tocantins);Monitoramento e sinalização em 3 rios (Madeira, Tapajós e Tocantins);Dragagens ou derrocagens em 2 rios (Madeira e Tocantins).
No PPI, assim como no PAC, os rios Madeira e Tocantins estão em estudo para concessão. No PPA, “melhoramentos” no canal de navegação do Tocantins Plano de Monitoramento Hidroviário nos rios Madeira,Tapajós e Tocantins.; Sinalização nos rios Tocantins e Madeira; Dragagem do rio Madeira. Todas essas ações estão também sinalizadas no PAC, com o “melhoramento” do rio Tocantins com a especificação da de derrocagem.

Rodovias na Amazônia Legal
A malha rodoviária é o modal com maior número de intervenções em curso e planejadas:6 rodovias concedidas;Estudos de concessão em outras 3 rotas;Construção e/ou pavimentação em 21 rodovias;Ações de adequação, melhoramento e/ou duplicação em 13 rodovias;

No PAC, estão previstas intervenções em diversas rodovias federais: dez trechos em adequação ou duplicação, 19 em construção ou pavimentação, sete com investimentos de concessões e dois em estudo de concessão. No PPI, aparecem dois destaques: a concessão da Rota Agro, formada pelas BR-364, BR-070 e BR-174, que cortam Goiás, Mato Grosso e Rondônia, com trechos já leiloados e outros em processo de concessão; e a BR-158/155, rodovia federal que atravessa o Brasil de norte a sul, que ainda está em fase de estudo para futura concessão no Mato Grosso e Pará. Já o PPA traz a previsão de intervenções em 24 rodovias, sendo adequação ou duplicação em 11 delas e construção ou pavimentação em 21, além de recuperação e manutenção de rodovias.

Vale ressaltar que parte do orçamento demonstrado no PPA é destinado diretamente ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) sem vinculação detalhada de obras ou projetos específicos. Assim, o número de infraestruturas aqui colocado pode ser maior, principalmente para obras rodoviárias.

ContextoNa Amazônia Legal e em empreendimentos conectados à região, os projetos de rodovias, ferrovias e hidrovias não podem ser analisados de forma isolada: juntos, eles estruturam corredores logísticos voltados, majoritariamente, ao escoamento de commodities para exportação. A implantação de um modal influencia diretamente a do outro, ampliando impactos cumulativos sobre a floresta, os rios e as populações locais.

Se não houver planejamento consistente, com análises técnicas robustas, avaliação de alternativas e critérios socioambientais claros, esses corredores logísticos podem intensificar conflitos fundiários, pressionar territórios indígenas e comunidades tradicionais, modificar ecossistemas sensíveis e reforçar desigualdades sociais. “Mais do que discutir obras específicas, é essencial olhar para o conjunto de intervenções previstas e compreender como cada decisão se conecta em uma rede de efeitos sobre a Amazônia”, diz Raissa Gomes, pesquisadora do IEMA.

Aliás, neste momento, o governo federal está elaborando o Plano Nacional de Logística (PNL 2050), que orientará os investimentos em transporte pelos próximos 25 anos. Esse novo planejamento representa uma oportunidade estratégica: alinhar a infraestrutura às necessidades reais do Brasil, incluindo, da população amazônica, assegurar eficiência logística e, ao mesmo tempo, proteger a floresta, promover justiça climática e reduzir os riscos de impactos socioambientais.

Sobre o Mapa Interativo das Infraestruturas de TransporteMapa Interativo das Infraestruturas de Transporte, desenvolvido pelo IEMA, organiza dados oficiais do PAC, PPI, PPA 2024–2027 e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) sobre ferrovias autorizadas com foco na Amazônia Legal e nos empreendimentos conectados a ela. Ao reunir essas informações em uma única plataforma, a ferramenta oferece subsídios para pesquisadores, gestores públicos, jornalistas e sociedade civil acompanharem as obras previstas e em execução.

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