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Todos os anos, 20 mil crianças se tornam mães e mais de 70% delas são negras. Agora, a Câmara dos Deputados quer avançar com a PEC 164/2012 – a PEC do Estuprador – que pretende proibir o aborto legal para as crianças estupradas Confira imagens da mobilização Criança Não é Mãe deste final de semana no G20 Social, no Rio de Janeiro A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania(CCJC) da Câmara dos Deputados colocou na pauta desta terça-feira (19), a Proposta de Emenda à Constituição, PEC 164/12, que que pode acabar com as possibilidades de aborto legal no Brasil. Conhecida como PEC do Estuprador, ela propõe alterar o Artigo 5º da Constituição Federal para inserir a expressão “desde a concepção” na inviolabilidade do direito à vida – ou seja, garantir proteção absoluta ao embrião e ao feto, como se fossem nascidos vivos. Na prática, se a aprovada pelo Congresso Nacional, a proposta vai proibir que vítimas de estupro possam abortar e também vai forçar pessoas cuja gravidez representa um risco à sua vida a seguirem com a gestação e parirem, mesmo que isso as leve à morte. E vai além: pode levar à proibição da fertilização in vitro, já que esse processo leva à perda e ao descarte de embriões já fecundados (“concebidos”) e das pesquisas com células tronco, que usam células embrionárias para tentar curar doenças graves. A ofensiva da extrema-direita no Congresso Nacional acontece poucos meses depois de uma mobilização histórica contra o PL 1904/24, conhecido também como o PL do Estupro, e gerou uma nova reação das organizações da campanha Criança Não é Mãe, criada na ocasião. No último final de semana, elas realizaram uma mobilização com projeções durante os shows do G20 Social, no Rio de Janeiro. Veja imagens (crédito: Flávia Viana). Nesta segunda-feira, primeiro dia do G20, um vídeo da campanha está sendo veiculado em paineis de Led na Zona Sul da cidade, em áreas próximas ao encontro. Além disso, o envio de emails a parlamentares da CCJC está sendo realizado pelo site da campanha, mobilizando o apoio da sociedade contra a PEC do Estuprador: https://criancanaoemae.org.br. “Só uma grande mobilização pode fazer valer os direitos de todas as meninas, mulheres e pessoas que gestam. Precisamos ser muitas e muitos, mais uma vez, lotando a caixa de e-mails dos deputados e deputadas para barrar o PL do Estuprador. Sua pressão é fundamental! Assine o formulário ao lado e envie seu recado: Criança não é mãe!”, afirmam no texto que acompanha a petição. PEC 164/12 obriga crianças a serem mãesDados de 2023 revelaram que houve uma média de um estupro a cada seis minutos no país, sendo que as vítimas são majoritariamente mulheres e meninas (88,2%), negras (52,2%), de no máximo 13 anos (61,6%), estupradas por familiares ou conhecidos (84,7%), dentro de suas próprias residências (61,7%) – a violência é, portanto, majoritariamente intrafamiliar e praticada contra crianças. “Se aprovada, a ordem constitucional deixaria de admitir que, nos casos de gestação decorrente de estupro – praticado majoritariamente contra crianças – o aborto pudesse ser legalmente realizado, obrigando essas pessoas a gestarem e parirem nessas condições”, completa Laura Molinari, da campanha Nem Presa Nem Morta e que também constrói a campanha Criança Não É Mãe. Eliza Capai, diretora do filme Incompatível com a Vida, observa que a falta de educação sexual e outras circunstâncias, como a violência sexual, levam a gravidezes não desejadas, cujos pais não tem condições – sejam econômicas, mentais ou emocionais – de criar seus filhos. “É muito triste encarar a verdade, mas meninas e mulheres são estupradas, engravidam e precisam de acolhimento. Gestações podem gerar problemas de saúde e colocar a vida materna em risco: como obrigar uma criança a já nascer órfã? Gravidezes desejadas podem gestar fetos que não sobreviverão, e obrigar a continuidade da gestação pode causar sérios danos à saúde mental e física da gestante. Seria muito melhor se estas situações não existissem, mas ignorar esta realidade em função de dogmas descolados da vida real gera apenas uma sociedade muito mais violenta e triste”, comenta. PEC 164/12 pode proibir técnicas de reprodução assistida De acordo com dados do Sistema Nacional de Produção de Embriões, no ano de 2023, foram realizados 56.821 ciclos de fertilização in vitro no Brasil e 115.745 embriões foram congelados. Letícia Vela, advogada do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, explica que, ao conferir ao óvulo fecundado ou ao embrião o direito absoluto à vida desde a concepção, como pretende a PEC 164/2012, abre-se a possibilidade de proibição futura de técnicas de reprodução assistida e pesquisas em células embrionárias para fins terapêuticos. “Em casos de fertilização in vitro, por exemplo, a técnica utilizada passa pela fertilização fora do corpo e, em seguida, pela implantação no útero. Nesse momento, pode haver perda de embriões, o que incidiria em uma violação à Constituição caso a PEC seja aprovada. Nesse sentido, milhares de famílias que dependem de reprodução assistida para ter filhos teriam seu sonho impedido”, afirma. Segundo ela, o mesmo valeria para a utilização de células-tronco embrionárias humanas em pesquisas e terapias, que têm como objetivo, enfrentar e curar patologias que limitam e degradam a vida de grande número de pessoas, como atrofias espinhais progressivas, distrofias musculares, esclerose múltipla, neuropatias e outras doenças do neurônio motor. “Impedir a continuidade de realização de pesquisa em células embrionárias proíbe todo e qualquer avanço da ciência e possibilidade de cura de graves doenças”, complementa. >> Confira a nota técnica contrária à PEC: https://criancanaoemae.org.br/ |