“O Tubarão da Berrini” revela a história de Marcolino, jovem paulistano que enfrenta violência institucional e busca redenção em narrativa marcada por crítica social e realismo contundente
Em meio aos contrastes que definem São Paulo, surge uma obra que mergulha na complexa engrenagem social capaz de transformar vidas ainda na infância. O Tubarão da Berrini, de Marcos Clementino, explora as forças visíveis e invisíveis que atuam sobre jovens periféricos, revelando como a falta de oportunidades, o medo constante e a violência estrutural moldam destinos com uma precisão implacável. Ao acompanhar a formação emocional e moral de seu protagonista, o livro convida o leitor a enxergar o que normalmente passa despercebido: o impacto profundo das escolhas impostas por um cenário que insiste em limitar quem nasce às margens.
A narrativa acompanha Marcolino desde a infância frágil — marcada por crises asmáticas, bullying e episódios de violência — até o momento em que a adolescência o empurra para escolhas moldadas pelo ambiente hostil. Aos 16 anos, após um assalto mal-sucedido na região da Berrini, o jovem é baleado por um policial, fica paraplégico e inaugura uma fase de profunda imersão espiritual. O livro revela episódios comuns do cotidiano periférico: a pressão do crime organizado, o medo constante, o racismo que define destinos e a ausência de políticas públicas capazes de impedir a repetição de infrações.
Mesmo sem forças, não queria se entregar. O tronco e as pernas não respondiam ao seu comando. Tentou ver o rosto do sargento Perez. Girou a cabeça lentamente para trás. Só deu tempo de ver a bota preta em sua direção (…) — Aí ladrão, Deus cria, a Rota mata! O policial riu com ironia e satisfação, ao se deparar com mais um corpo estairado no chão. Fim da linha. Mais um tubarão capturado pelo barco de pescadores (“O Tubarão da Berrini”, p.28)
A partir da internação, Marcolino inicia um processo de transformação que mistura fé, culpa, angústia e uma busca por sobrevivência. Metáforas recorrentes associam o protagonista ao tubarão: criatura poderosa, fascinante, temida, mas que vive nas profundezas de forma solitária e vulnerável. Essa simbologia conduz a ascensão do personagem, que, anos após sua estadia na FEBEM, renasce como empresário e retorna à Berrini, como explica o autor deste romance.
“Escrevi este livro com o propósito de provocar uma reflexão profunda na sociedade, sem recorrer ao panfletarismo ou à polarização. O mundo já está saturado de ódio, e precisamos buscar caminhos mais humanos e empáticos para construir algo melhor”, afirma Marcos. Segundo ele, “a obra se destaca por sua capacidade de provocar reflexão sobre temas urgentes como violência institucional, exclusão social, hipocrisia religiosa e o papel do Estado na formação (ou deformação) de jovens periféricos”.
No fim, O Tubarão da Berrini emerge como um mergulho profundo em um oceano turbulento onde humanidade, medo, fé e injustiça coexistem. A trajetória de Marcolino escancara o quanto a sociedade brasileira falha em reconhecer seus próprios tubarões — jovens que poderiam ter sido líderes, inventores, artistas ou executivos, mas que acabam nadando contra correntezas desde a primeira infância. A obra deixa um chamado urgente: ou mudamos o olhar agora, ou continuaremos alimentando um ciclo que transforma meninos em vilões, e ao mesmo tempo em presas ou sobreviventes em milagres improváveis.
FICHA TÉCNICA
Título: O Tubarão da Berrini
Autor: Marcos Moreira Clementino
Editora: Viseu
ISBN: 6528000255
Páginas: 212
Preço: R$ 31,45 (digital) | R$ 62,90 (físico)
Onde comprar: Amazon
Sobre o autor: Marcos Moreira Clementino é jornalista, escritor e empresário. Construiu carreira marcada por reportagens internacionais, incluindo coberturas na Faixa de Gaza e nos ataques terroristas de 2015 em Paris. Foi finalista do Walkley Awards de melhor cobertura investigativa, em New South Wales. Reconhecido por sua atuação social, recebeu o Troféu Periferia e, atualmente, é articulista do portal Brasil Confidencial. Também é autor dos livros Paris, Sexta-Feira 13 e Olho Vivo, Faro Fino.