Lideranças indígenas de Roraima repudiam PL 490, tese do marco temporal e garimpo ilegal

Lideranças indígenas de Roraima das terras indígenas Raposa Serra do Sol, Yanomami e Anaro, manifestaram nesta terça-feira (15) preocupação diante de ameaças aos direitos originários garantidos na Constituição. Os povos indígenas estão em Brasília para participar da mobilização que ocorre, desde a semana passada, contra o Projeto Lei 490/2007, que tramita na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara, o Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF) e outros problemas que enfrentam em suas terras, como a invasão garimpeira e avanço da Covid-19. 

O PL 490/07, que altera o Estatuto do Índio e delega ao Congresso Nacional o papel de demarcar terras por meio da aprovação de leis, está na pauta desta terça-feira (15) na CCJC da Câmara. 

“É importante essas manifestações, porque as consequências, se esse PL for aprovado, é mudar todo o procedimento da demarcação de terras indígenas abrindo brecha para ilegalidades e inconstitucionalidades tal qual a que o Supremo está discutindo hoje, no caso do Marco Temporal que tenta colocar um ponto de começo a um direito dos povos indígenas”, explicou a deputada federal e coordenadora da  Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas (FPMDDPI), Joenia Wapichana (Rede-RR). 

Para o líder Dário Yanomami, o posicionamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que defende abertamente a prática do garimpo em terras indígenas, aumenta a prática do garimpo inlegal e as violências feitas pelos garimpeiros aos indígenas. “Ele está apoiando as atividades ilegais, a exploração de mineração, o PL 490 e vai acabar com a vida dos povos indígenas. Isso é um grande problema do governo Bolsonaro, violação de direitos e violação dos nossos territórios e dos nossos patrimônios culturais”, disse. 

Dário afirma que o posicionamento de Bolsonaro é internacionalmente conhecido e que todas essas práticas de apoio à ilegalidade estão causando danos não só ao meio ambiente e aos povos indígenas como também aos não indígenas. “O Bolsonaro quer acabar com os povos indígenas, não só os indígenas, ele está fazendo coisas ruins para você também”, alertou.    

Apesar de ser demarcada legalmente há mais de 10 anos, a terra Raposa Serra do Sol também está sofrendo com a prática do garimpo ilegal. Carla Jarraira, da terra Raposa Serra do Sol, questionou os parlamentares e sociedade civil sobre a omissão do governo em sanar o problema. “Será que vocês gostariam que a sua filha fosse desonrada? Será que vocês gostariam de ver seus filhos morrendo inocentes? Isso nos emociona profundamente. Somos mulheres e sentimos isso na pele”, disse. 

Carla Jarraia conta que, além das mortes e agressões, eles ainda convivem com doenças, que vem junto com o garimpo, principalmente a covid-19, e também a poluição dos rios e destruição do meio ambiente. 

“E você, parlamentar, que muita das vezes criam PLs, PECs [Projeto de Emenda Constitucional] para destruir a nossa existência, eu gostaria de falar para vocês, antes de vocês chegarem na Câmara dos Deputados, vocês deveriam ter feito cursos de humanidades para aprender a serem mais humanos, porque todos somos iguais. Vocês querem carregar na consciência a dizimação de um povo que luta pelo bem estar não só do povo, mas de toda a sociedade?”, questionou a representante da terra Raposa Serra do Sol. 

Carla Jarraia fez um apelo aos presentes na live e aos parlamentares para se posicionarem contra o PL 490/2007 e contra o marco temporal. “Se você apoia nossa causa, apoia nossa luta, venha junto com a gente”. Ela afirma que o primeiro passo para apoiar a luta indigena é conhecer a história de resistência dos povos. “Só assim você vai poder ver de que forma estamos trabalhando, de que forma e a quanto tempo estava resistindo”. Carla Jarraira explicou que há também outras formas de colaborar com a preservação do meio ambiente, dentre elas, não jogando lixo na natureza e não ateando fogo na mata. 

“Se você quer nos ajudar, ajude cuidando da natureza. Uma árvore gera oxigênio que pode salvar a vida de muitas pessoas. Se destruir o pulmão da natureza, nossa floresta Amazônica, estamos destruindo não só a vida das pessoas dessa região, mas também da comunidade internacional”, exemplificou.    

Marco Temporal em pauta no STF

O STF tinha na pauta do plenário virtual na semana passada o caso de reintegração de posse entre o governo de Santa Catarina e o povo Xokleng. O caso, de repercussão geral, vai julgar a tese do Marco Temporal, criada dentro da Corte em 2009, que afirma que os povos indígenas só podem reivindicar a demarcação de terras se eles já estivessem na região em 5 de outubro de 1988, data que a Constituição entrou em vigor. A tese é fortemente defendida por ruralistas e empresários ligados ao minério.    

“A nossa Constituição afirma claramente que cabe aos povos indígenas o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Há o princípio da imprescritibilidade, a Constituição coloca isso como um direito fundamental aos povos indígenas, cláusula pétrea, então não pode ser mudado ou alterado por interesses individualistas, politiqueiros”, disse a deputada, que afirmou ser contra o projeto.  

Em 2009, o STF confirmou a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, localizada na região norte de Roraima. Desde então, a comunidade é a única que conseguiu esse direito. Amarildo Silva, do povo Macuxi, que faz parte da Raposa Serra do Sol, alega que a tese do marco temporal, também defendida pelo governo, é inconstitucional e coloca um ponto de partida para a história indigena do país.  

“A história do movimento indígena não começa só em 1988, mas quando o Brasil foi invadido por fazendeiros, pelos posseiros, os povos indígenas já existiam nesse país. Pedimos respeito aos nossos direitos que já são garantidos na Constituição Federal”, disse Amarildo. 

Força Nacional nas terras Yanomami 

As lideranças indígenas também falaram sobre a situação do Povo Yanomami. Na segunda-feira (14), o governo federal autorizou, por 90 dias, a atuação da Força Nacional de Segurança Pública em conjunto com a Fundação Nacional do Índio (Funai) nas terras indígenas Yanomami para conter as invasões e ataques feitos por garimpeiros na região. Segundo Dário Yanomami, a situação que a comunidade está sofrendo é algo antigo e de total conhecimento do Ministério da Justiça e do Ministério Público Federal (MPF).

“Hoje nós estamos vivendo uma situação de muita violência, garimpos ilegais, nossos rios estão sujos e contaminados. E cada vez mais estamos sofrendo com problemas de saúde: malária e casos de covid-19 trazidos por garimpos ilegais. Nós já fizemos várias denúncias para as autoridades”, relatou Dario. Ele conta que já apresentou as denúncias inclusive para o vice-presidente Hamilton Mourão, mas que não surtiu muito efeito.

Sobre a ida da Força Nacional para a região, ele alega que o que os povos indígenas precisam é do fim do garimpo ilegal na terra. “Não queremos helicópteros sobrevoando e espantando os garimpeiros, quebrando os maquinários, não queremos isso. Queremos acabar com o garimpo”, disse. 

Desde junho de 2020, o território Yanomami, em Roraima, tem registrado assassinatos e diversos tipos de ataques causados por garimpeiros que exploram a região. De acordo com a Hutukara Associação Yanomami (HAY), cerca de 20 mil garimpeiros vivem e atuam ilegalmente dentro da Terra Indígena Yanomami.

Dario denunciou ainda que as vacinas contra a covid-19 enviadas para imunizar o povo Yanomami têm sido usadas para vacinar garimpeiros, que oferecem ouro em troca do imunizante. “Os garimpeiros estão chegando nos postos e pedindo para aplicar em troca de ouro, é isso que está acontecendo”, narrou. Segundo ele, as denúncias foram enviadas aos órgãos públicos federais e agora a Polícia Federal irá investigar o caso.   

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