*Poliane Almeida
Ao longo do histórico político e social do Brasil, a exclusão de mulheres e a negação de sua presença em espaços de poder foram elementos centrais para a configuração predominantemente masculina que ainda marca os espaços de decisão no âmbito jurídico-político. As desigualdades de gênero tornam-se ainda mais graves quando inseridas em um padrão masculino de poder, estruturado a partir de uma lógica antropocêntrica que posiciona o homem branco como centro e parâmetro de conhecimento e legitimidade para o exercício do poder, reforçando a ideia de superioridade em relação às mulheres, cujo lugar permanece concebido apenas como a alteridade do homem.
A histórica invisibilidade de gênero e a negação de espaços de poder a mulheres inevitavelmente contribuíram para a situação majoritariamente masculina em que se encontram os espaços de poder no cenário jurídico-político, como é o caso do Supremo Tribunal Federal, em que a representatividade feminina se restringe à figura de Cármen Lúcia, contraposta a dez ministros homens.
Em 11 de setembro, em um histórico julgamento para condenação de Jair Bolsonaro e outros por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, para além do marco histórico que a própria condenação pelos fatos imputados já representa, os holofotes se voltaram para outro marco relevante para a história da democracia brasileira: o voto responsável por consolidar a maioria pela condenação foi proferido, de forma brilhante, por uma ministra mulher.
A Ministra Cármen Lúcia, ao pontuar que a referida ação “é quase um encontro do Brasil com seu passado, com seu presente e com seu futuro” se referia aos fatos julgados na ação, mas, sem saber, também poderia estar falando sobre o que acontecia ali: o seu voto, que contou com a marcante fala sobre as mulheres estarem a dois mil anos sendo silenciadas, também representou um encontro do Brasil com o seu passado, em que as mulheres eram caladas, diminuídas e reduzidas a objeto, com o seu presente, marcado por uma única mulher na mais alta Corte brasileira tendo um voto decisivo e emblemático para a democracia, com o seu futuro, em que resiste a esperança do alcance e da ocupação de mais espaços de poder por mulheres.
*Poliane Almeida, advogada no Martins Cardozo Advogados Associados, onde atua em causas de direito público e de gênero nos Tribunais Superiores. Mestranda em Direito na PUC-SP, com pesquisa sobre o abuso de poder nos processos democráticos.