Divergências regulatórias entre União e Estados ampliam riscos no mercado de bets

by Amarildo Castro
  • Cenário regulatório atual, que passa por intensa discussão, gera insegurança jurídica para operadores e apostadores

Com a edição da Lei 14.790/2023, o mercado de jogos e de apostas esportivas online – as bets – pareciam ter construído um cenário de segurança jurídica. A lei introduziu dispositivos que alteraram as apostas de quotas fixas: aquelas em que o ganhador sabe quanto vai receber em caso de acerto, a exemplo das loterias do governo federal. O problema é que as esferas estaduais e federal criaram exigências distintas para autorizar a operação destes negócios, gerando assimetrias regulatórias para players que operam em todo o Brasil ou localizados nos Estados.

No julgamento das Arguições de Descumprimento de Preceito Federal (ADPF) 492 e 493, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que não há monopólio federal para a exploração de loterias – e das apostas esportivas nas quais se enquadram as bets. Com isso, Estados como o Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais puderam lançar suas próprias licenças e regulamentar o serviço no âmbito estadual, antes mesmo de ocorrer a regulamentação federal do setor.

“Apesar da edição de Lei Federal nº 14.790/2023, somente no ano de 2024 é que o setor passou a ser efetivamente regulamentado no âmbito federal pelo Ministério da Fazenda, sob a supervisão da recém-criada Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), e as empresas do setor começaram a receber as autorizações formais da União e a operar em um mercado já considerado regulado. Antes da regulamentação federal, por sua vez, alguns Estados já haviam lançado seus próprios editais de exploração dos serviços públicos de apostas de quota fixa em meio a um ambiente regulatório evidentemente ainda muito embrionário e cheio de incertezas”, explica o advogado Thiago Priess Valiati, doutor em direito administrativo e sócio do escritório Razuk Barreto Valiati.

Na licença federal, concedida pelo Ministério da Fazenda, houve a imposição de uma outorga de R$ 30 milhões, tributação de 12% sobre a receita bruta de jogos (GGR), obrigatoriedade de reconhecimento facial, ferramentas de jogo responsável, reserva financeira de R$ 5 milhões e restrições de pagamento, como a proibição do uso de criptomoedas e cartões de crédito, por exemplo. Ademais, tais operadoras podem atuar em todo o território nacional, ao contrário das empresas credenciadas pelos Estados. 

Assim, as bets estaduais têm enfrentado competição não somente em relação ao mercado clandestino e ilegal, como também em relação às bets que possuem autorização a nível federal. Isto porque as empresas credenciadas pelos Estados apenas podem captar jogadores que estejam situados no território estadual, enquanto as autorizadas pela União podem captar jogadores de todas as unidades federativas. “É evidente, portanto, que a regulamentação federal superveniente impactou as operações estaduais e alterou o cenário regulatório do setor. Estas assimetrias regulatórias geram insegurança jurídica para os agentes regulados”, destaca Thiago Valiati, que também é vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Regulatório (IBDRE).

A situação se tornou ainda mais complexa após o julgamento recente da ADI 7640 no Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou inconstitucionais os dispositivos que restringiam a atuação de grupos econômicos em mais de um estado e a publicidade de loterias estaduais, que podem ir além do seu limite de atuação. A decisão teve como base os precedentes estabelecidos nas ADPF 492 e 493, além da ADI 4.986, que já haviam reconhecido a competência material dos Estados para exploração de serviços lotéricos.

Assim, no julgamento da ADI 7640, o STF reconheceu como válidas as disposições que impedem um Estado de comercializar os referidos serviços a indivíduos localizados no território de outro Estado, bem como as que proíbem a exploração multijurisdicional desses serviços. Por outro lado, a Suprema Corte entendeu que não há razão válida para proibir que os Estados adotem estratégias publicitárias fora dos seus respectivos territórios, como ações de marketing em eventos esportivos, independentemente do local das competições.

“As apostas esportivas são um serviço de natureza digital. Ou seja, trata-se de um enorme desafio restringir territorialmente a operação de plataformas de apostas (e a respectiva fiscalização dessas restrições), criando um conflito normativo e regras distintas entre operadoras de um mesmo serviço”, destaca Valiati.

Mercado ilegal e clandestino ainda se mantém ativo no setor

Ademais, as empresas estaduais ainda estão enfrentando muitas dificuldades em relação à existência do mercado clandestino de apostas, ainda muito predominante no setor. Enquanto os operadores regulados precisam cumprir diversos requisitos técnicos, financeiros, tributários e operacionais, a fim de manter suas atividades dentro dos padrões exigidos pelos órgãos reguladores, os demais players, que atuam à margem da legislação, captam público e receita sem observar os mesmos limites e onerosidades.

“As empresas estaduais têm enfrentado muitas dificuldades na execução de suas operações diante deste ambiente regulatório ainda muito confuso e inseguro, que impacta na demanda e na viabilidade da exploração do serviço. Além disso, o mercado ilegal e clandestino, a despeito da regulamentação, mantém-se ativo, o que abre margem para um cenário de concorrência desleal e que também impacta na demanda das operadoras reguladas”, ressalta Valiati.

Para o profissional, quem acaba investindo no mercado regulado é prejudicado e onerado em meio a um ambiente regulatório marcado ainda pela existência de operadores clandestinos e à margem de qualquer regulamentação. “A fiscalização precisa ser mais incisiva, a fim de resguardar quem investe no mercado regulado. Sem dúvidas, este é um dos principais desafios do setor de apostas esportivas na atualidade”, completa o advogado.

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