Falta de sangue nos bancos de sangue e receio de infecção por doenças infectocontagiosas são alguns dos motivos para utilização da autotransfusão
Com o rápido aumento de casos de COVID-19 no Brasil e ao final das festas de fim de ano, quando normalmente não há doações, os estoques dos bancos de sangue estão bastante reduzidos. O problema segue do sul ao norte do país. No Hemobanco de Curitiba, por exemplo, sete dos oito tipos de sangue disponíveis estão em estado crítico. Entre eles, o O+ e O-, que são os mais utilizados em caso de transfusões. O único tipo de sangue em situação estável é o AB+, que só pode ser doado para pessoas com o mesmo tipo sanguíneo. Na Fundação Pró-Sangue, que cuida dos hemocentros de São Paulo, cinco dos oito tipos de sangue disponíveis estão em estado crítico na terceira semana do ano novo. Entre eles, também o O+ e O-.
Muitas pessoas deixaram de doar sangue por medo de contrair o coronavírus com a ação, mas a doação é segura e os bancos seguem os protocolos necessários. Ao mesmo tempo, algumas cirurgias eletivas, aquelas sem muita urgência, que tinham sido postergadas devido à pandemia, vêm sendo retomadas. Já as cirurgias emergenciais não podem ser adiadas. Felizmente, várias cirurgias que necessitam de transfusões de sangue, caso de traumas, alguns transplantes, cirurgias cardiovasculares e cirurgias para pacientes em tratamentos oncológicos, entre outras, podem ser realizadas sem utilização de bancos de sangue, com a autotransfusão.
Uma das técnicas de autotransfusão, também conhecida como recuperação de sangue intra-operatório, permite que o próprio sangue “perdido” pelo paciente durante a cirurgia seja processado e retransfundido, evitando-se assim, as transfusões de sangue de doadores e as suas possíveis complicações e reações adversas.
Segundo o Dr. Celso de Freitas, diretor médico da LivaNova, empresa global de tecnologia e inovação médica, produtora do equipamento XTRA para autotransfusão, o melhor sangue que o paciente pode receber em uma transfusão é o seu próprio sangue. Essa é a possibilidade que este equipamento oferece em um grande número de situações, como em épocas de baixa do estoque de sangue nas instituições, período de carnaval, final de ano etc, ou em quaisquer situações nas quais a população por algum motivo não se apresenta para doar sangue, “como o que está ocorrendo agora durante esta epidemia”.
Já para o cirurgião Walter Gomes, professor titular de cirurgia cardiovascular da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo, e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular SBCCV, nas cirurgias onde os pacientes têm risco de perda sanguínea prevista, a utilização do equipamento de autotransfusão é o mais indicado. “Não estou falando que a técnica deva ser utilizada apenas em casos de possível falta de sangue nos bancos de sangue ou devido ao pânico que a infecção por sangue contaminado por coronavírus ou outras doenças infectocontagiosas poderiam gerar”, ele afirma. “A autotransfusão deve ser utilizada sempre, pois o próprio sangue perdido pelo paciente durante a cirurgia é processado e reinfundido no paciente, evitando qualquer infecção que possa não ter sido detectada nos testes e triagem dos doadores de sangue. Além disso, a relação custo-benefício é muito melhor, mesmo sem contar que a utilização de sangue doado pode, eventualmente, causar várias complicações, como problemas pulmonares e renais, e a recuperação do paciente com a autotransfusão é melhor e mais rápida. É uma pena que muitos planos de saúde não percebam o potencial benefício ao paciente e não cubram a utilização da técnica, e acabam tendo muito mais custos no final”, ele completa.
Segundo o Dr. Sérgio Domingos Vieira, vice-presidente médico do grupo GSH, que atende inúmeros hospitais em todo o Brasil, o paciente deve discutir essa técnica com a equipe cirúrgica e optar pelas instituições que a utilizam. “Não existe transfusão com sangue doado com risco zero, mesmo com todas as triagens sorológicas feitas nos bancos de sangue. “A maioria dos pacientes desconhecem as vantagens da autotransfusão, e muitos nem sabem que a técnica foi utilizada na sua própria cirurgia”, ele afirma.
Segundo ele, em época de dúvidas em relação à triagem do sangue em relação à presença do coronavírus e ao próprio desabastecimento dos bancos de sangue, a utilização da autotransfusão é ideal. “Na nossa rede utilizamos há bastante tempo a autotransfusão, e atualmente estamos utilizando o equipamento mais moderno que existe hoje em dia, o sistema XTRA, bastante intuitivo e fácil de usar, e que ainda tem a vantagem de ter as instruções em português”, ele afirma.
Solange Pais Messias trabalha como representante de autotransfusão na região de Campinas e teve de ser submetida a uma cirurgia cardíaca em julho de 2018. Para a realização de sua cirurgia ela escolheu a equipe do cirurgião cardíaco Dr. Orlando Petrucci Junior, pois sabia que esse médico utiliza autotransfusão em praticamente todos os seus pacientes. A cirurgia da Solange teve duração de cerca de 5h e foram recuperados 695mL de seu sangue, o equivalente a quase 3 bolsas de sangue. “O uso do meu próprio sangue me deu muito mais segurança em realizar a cirurgia e minha recuperação foi muito rápida. Minha preocupação se restringiu à cirurgia em si, e não a complicações que poderia ter tido relativas à utilização de sangue doado. Hoje não sinto mais nada, a cirurgia foi um sucesso!”
Vantagens da autotransfusão
- Segurança: a autotransfusão é mais segura e eficiente, pois reduz o risco de infecções, já que muitas vezes nem todas as infecções do sangue doado podem ser detectadas; ela evita problemas de compatibilidade sanguínea, já que o sangue utilizado é do próprio paciente.
- Disponibilidade: imediata disponibilidade do próprio sangue, já que em poucos minutos o sangue recuperado é processado e retornado ao paciente, mesmo para pacientes sensibilizados (presença de anticorpos) ou com tipos raros de sangue.
- Bom custo-benefício: reduz a demanda por sangue doado e suas sorologias de alto custo para doenças transmissíveis, e consequentemente a utilização da autotransfusão pode ter custo inferior ao da transfusão com sangue estocado de bancos de sangue.
Como é feita a autotransfusão durante uma cirurgia?
A recuperação intra-operatória de sangue é feita por meio de um equipamento automatizado de autotransfusão específico para este fim. O sangue é aspirado do campo cirúrgico e enviado para a máquina onde são recuperados e concentrados os glóbulos vermelhos (componente mais importante de sangue: células responsáveis por levar oxigênio aos tecidos). O sangue recuperado é então automaticamente lavado para eliminar fragmentos de células rompidas, substâncias nocivas presentes no plasma, fármacos e o anticoagulante que precisa ser utilizado para utilização do equipamento. Após a lavagem, o sangue está pronto para ser reinfundido no paciente.
Ciclo do Processamento do Sangue
Aspiração: o sangue é aspirado do campo cirúrgico, simultaneamente misturado à solução de anticoagulante e estocado temporariamente no reservatório.
Preenchimento / Prime: o sangue é bombeado do reservatório para o bowl (recipiente de centrifugação). Os componentes do sangue são separados, as hemácias são concentradas e o sobrenadante é descartado.
Lavagem / Wash: lavagem das hemácias com soro fisiológico. Eliminação de fatores de coagulação ativados, hemoglobina livre no plasma, contaminantes, debris etc.
Esvaziamento / Empty: envio do concentrado de hemácias lavadas do bowl para a bolsa de reinfusão.
Reinfusão : o sangue que foi encaminhado a essa bolsa é transfundida na sala cirúrgica, repondo assim, a massa eritrocitária do paciente.
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