Como um vídeo viral e 60 milhões de views derrubou uma MP do governo

Por Lilian Carvalho (*)

Nesta semana, um vídeo gravado pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) tomou conta das redes sociais, gerando uma onda de repercussões que culminou na revogação da Instrução Normativa RFB nº 2219/2024. Essa normativa, que entrou em vigor em 1º de janeiro, atualizou as regras de fiscalização das movimentações financeiras, incluindo transações via Pix e cartões de crédito.

Apesar de a mídia tradicional relatar números de visualizações na casa das centenas de milhões, a plataforma Not Just Analytics revela que, somente no Instagram, o vídeo de Nikolas acumulou 7,5 milhões de likes, quase 700 mil comentários e mais de 60 milhões de visualizações. Desde a publicação, o deputado ganhou impressionantes 2,4 milhões de novos seguidores. Além disso, entre os dias 13 e 14/01, segundo o Sistema de Pagamentos Instantâneos – SPI do Banco Central, houve uma queda de 3% no número de transações do PIX. Não podemos atribuir causa (o vídeo) a esse efeito, mas é mais um elemento a se considerar sobre o poder das redes sociais e do conteúdo viral. 

Mas o que fez esse vídeo se tornar tão viral? Vamos aos elementos que o destacaram:

Linguagem simples e direta

Nikolas Ferreira utiliza uma linguagem acessível, falando diretamente com o público, como se estivesse em uma conversa informal. Um exemplo claro é quando ele questiona: “O governo quer saber como você ganha R$ 5 mil e paga R$ 10 mil de cartão, mas não quer saber como uma pessoa que ganha um salário mínimo faz para sobreviver pagando luz, moradia, educação, compra do mês e gastos”.

Apelo emocional

O deputado toca nas preocupações cotidianas e financeiras do público, apelando para as emoções: “Esses profissionais, que já vivem no aperto, agora terão suas movimentações vigiadas como se fossem grandes sonegadores. Se fizer vaquinha para o churrasco, vai ser complicado de explicar no imposto de renda”.

Criação de desconfiança

Mesmo afirmando que o Pix não será taxado, Nikolas semeia dúvidas sobre o futuro: “Não, o Pix não será taxado, mas não duvido que possa ser”.

Comparações com promessas não cumpridas

Ele lista situações em que, segundo sua visão, o governo não cumpriu promessas: “A comprinha da China não seria taxada, mas foi… você ia ser isento do Imposto de Renda, mas não vai mais… ia ter picanha, mas não teve”.

Foco nos trabalhadores e pequenos empreendedores

Nikolas posiciona-se como defensor dos trabalhadores informais e pequenos comerciantes: “O governo vai afetar o seu João, a dona Maria, os ambulantes apenas tentando sobreviver”.

Produção simples, mas impactante

A produção do vídeo é descrita como simples, mas eficaz: “Vestindo preto, com um fundo preto e com uma trilha musical tensa”.

Além do impacto do vídeo, é fundamental entender um aspecto importante da sociedade brasileira atual. Uma parte significativa da população ainda não compreendeu que o brasileiro médio não quer ser tutelado pelo governo. Historicamente, o sonho do brasileiro era a carteira assinada, principalmente quando o atual presidente era líder sindical. No entanto, hoje, de acordo com o IBGE, 30,1% da população está envolvida com o empreendedorismo de alguma forma. Mais impressionante ainda, segundo o Instituto Locomotiva, que pesquisa a periferia e a classe C brasileira, 77% gostariam de ampliar ou abrir um novo negócio nos próximos 12 meses.

O fato demonstra que saber observar as ansiedades da população e usar a linguagem certa nas redes sociais pode levar à mobilização de milhões de brasileiros. Mas tudo tem sua dosagem, momento e público alvo, vide às críticas do vídeo feito pelo próprio Banco Central sobre o mesmo tema. 

(*) Lilian Carvalho, PhD em Marketing e coordenadora do Centro de Estudos em Marketing Digital da FGV/EAESP

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