Por: Lella Malta
A vida se torna uma morte lenta, um padecimento indizível. O lamento perpétuo de alguém que nada deseja, que pouco sente, que quase tudo negligência. Assim descrevi o luto de um dos meus personagens, no romance “Qual é o nome da vez?”.
Apresentar uma perda tão significativa sob a lente masculina, foi uma das experiências mais lancinantes do meu processo de escrita. Vivi, de mãos dadas com o meu protagonista, cada resposta emocional ao fato de ver sua esposa inexistir prematuramente.
Se o pesar da ficção grita tamanho desalento, ainda não pode ser comparado ao luto da vida real: um processo natural que ocorre em reação a um rompimento brusco de vínculo e que a grande maioria dos indivíduos terá que lidar mais cedo ou mais tarde no decorrer da vida.
Luto que é a morte de quem se foi, mas também de uma versão – agora inalcançável – da pessoa que ainda vive. Morte de expectativas, de sonhos, de promessas. Sem tempo de duração definido, o processo pode se estender por anos e levar ao adoecimento físico e mental, caso não haja conscientização sobre a importância do acolhimento, da desconstrução da interdição do luto e de sua naturalização.
Esquivar-se da tristeza como mecanismo de fuga não liberta, não salva, não cura.
Durante os tempos pandêmicos, o processo se tornou ainda mais complexo com força de fenômeno coletivo, afinal, a morte se fez próxima e escancarada em uma emergência sanitária global. Ainda choramos por esses mortos. Ainda estamos aprendendo a lidar com tantas perdas.
A escrita terapêutica, cada vez mais utilizada nesse processo, pode auxiliar o enlutado a vivenciar sua dor emocional e adaptar-se gradualmente a um novo contexto de vida de ausência do ente querido. Não substitui o acompanhamento psicoterapêutico ou psiquiátrico, mas é mais uma ferramenta a ser inserida no cotidiano do indivíduo a fim de acalentar o sofrimento diante da perda e equilibrar seu estado emocional.
Um dos exercícios mais recomendados para o luto é o da escrita de uma carta para alguém que já se foi, registrando em um papel suas memórias, agradecimentos, desculpas e qualquer palavra que deseja dizer hoje para a pessoa amada que já não está presente.
As possibilidades das palavras se tornarem ponte para a (re)organização de sentimentos nessa fase tão dolorosa são infinitas. A escrita ressignifica experiências, alcança memórias, é canal de escuta atenta das dores que carregamos no peito.
Lella Malta, cientista social, escritora, preparadora literária, educadora e terapeuta de escrita expressiva. Focada na saúde mental das mulheres, se dedica ao estudo da psicanálise e da psicologia positiva. Autora de três livros, os romances: “Qual é o nome da vez?” e “Você tem fama de quê?”. Além de uma obra autobiográfica que retrata a realidade de pessoas que lidam com a ansiedade: “Prazer, Paniquenta: Desventuras Tragicômicas de Uma Ansiosa”.
Texto; colaboração de Press Comunicação
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