Estudo aponta vulnerabilidades socioeconômicas de órfãos do feminicídio

Segundo pesquisa inédita da SSP-DF, famílias com vítimas apresentam renda per capita menor do que a média e são sobrecarregadas psicologicamente. Mapeamento vai embasar políticas públicas no DF

Nos últimos oito anos, pelo menos 320 pessoas ficaram órfãs no Distrito Federal devido a feminicídios. A perda da mãe por violência de gênero gera impactos profundos na vida do filho, independentemente da idade. A Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) realizou uma pesquisa com 18 órfãos, com o objetivo de rastrear as principais vulnerabilidades socioeconômicas e emocionais desse público e nortear a formulação de novas políticas públicas. A análise será publicada em breve pela pasta.

‌Os resultados apontam que as unidades familiares com órfãos de feminicídio apresentam renda per capita menor em relação ao restante da população do DF. O estudo verificou que a renda per capita desses lares é de R$ 900 – três vezes menor do que a renda per capita do Distrito Federal, que é de R$ 2.913, conforme o Censo de 2022. Também é menor do que a renda per capita do país, que é de R$ 1.625.

A pesquisa comprova, portanto, a importância do Programa Acolher Eles e Elas, auxílio financeiro a órfãos do feminicídio. A medida pioneira no país foi publicada no Diário Oficial do Distrito Federal em 4 de setembro e deve atingir, inicialmente, pelo menos 200 pessoas. O pagamento será de um salário mínimo (R$ 1.320) por criança ou adolescente, de acordo com a disponibilidade orçamentária. As despesas do programa vão sair do orçamento da Secretaria da Mulher do Distrito Federal (SMDF).

“A SSP tem entre suas missões a elaboração de estudos, relatórios e diagnósticos para subsidiar políticas públicas de segurança que se estendem a outras áreas de governo, reforçando nosso compromisso com a integração e integralidade em nossas ações”, pontua o titular da pasta, Sandro Avelar. “Esse estudo é extremamente importante para que se tenham diagnósticos mais precisos sobre a realidade dessas crianças e jovens, que infelizmente perdem, de forma repentina, a convivência com a mãe, que é vítima, e com o pai, que na maior parte dos casos é preso ou tira a própria vida”, acrescenta o secretário.

Os resultados são considerados preliminares, mas já servem para embasar novos meios de proteção aos órfãos e a criação de um modelo para o atendimento em rede dos casos de forma individualizada, conforme avalia o coordenador de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas da SSP, tenente-coronel Isângelo Senna. “Com o relatório, temos dois objetivos, que fazem parte do escopo de atuação da secretaria, que é prevenir novos feminicídios e evitar que os órfãos desse crime sigam uma carreira criminal”, afirma.

“Esse estudo é extremamente importante para que se tenham diagnósticos mais precisos sobre a realidade dessas crianças e jovens, que infelizmente perdem, de forma repentina, a convivência com a mãe, que é vítima, e com o pai, que na maior parte dos casos é preso ou tira a própria vida”Sandro Avelar, secretário de Segurança Pública

Também houve a avaliação da relação dos órfãos com a escola, os hábitos e a autoestima do público-alvo. Foi encontrado um maior impacto do feminicídio na autoestima das órfãs em relação aos órfãos. Em um dos casos, a perda da mãe influenciou diretamente no desenvolvimento de depressão e baixa autoestima.

‌“O órfão é retirado do lar original, perde a mãe, muitas vezes, o pai também. O impacto na vida dessa pessoa é muito grande. Do outro lado, o familiar que recebe o órfão precisa se adaptar àquela nova realidade, com uma criança a mais. O impacto na renda é enorme”, avalia o tenente-coronel. Além disso, conforme o estudo, os responsáveis pelos órfãos também reconhecem que sofreram impacto psicológico devido à perda da vítima, mas que, na maioria dos casos, não tiveram acesso a tratamento psicológico.

O estudo

Foram entrevistados 18 órfãos, sendo 12 meninos e 6 meninas

Inédita na capital federal, a pesquisa de natureza qualiquantitativa foi realizada entre setembro e novembro de 2022 seguindo roteiro semiestruturado. Foram entrevistados 18 órfãos, sendo 12 meninos e 6 meninas. À época da pesquisa, oito entrevistados tinham menos de 9 anos – sendo o mais novo com 2 anos, sete tinham de 10 a 18 anos e três já eram maiores de 18 anos – sendo que o mais velho tinha 24 anos.

‌Também participaram 13 responsáveis pelos órfãos, com idade média de 42,6 anos – nove mulheres e quatro homens. Quando responderam ao estudo, cinco estavam casados e seis solteiros. Sete completaram o ensino médio, quatro chegaram só até o ensino fundamental e dois concluíram o ensino superior. Em relação ao parentesco, quatro do total de entrevistados eram filhos das vítimas de feminicídio. Outros quatro eram mãe ou pai da mulher assassinada.

Catarina Loiola, da Agência Brasília | Edição: Vinicius Nader

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