Museu Judaico de SP apresenta panorama da obra de Lasar Segall

by Amarildo Castro
  • Com curadoria de Patrícia Wagner, mostra destaca a dimensão poética da trajetória do artista e sua relação com temas como deslocamento, espiritualidade e condição humana

Eternos caminhantes, 1919. Crédito: Acervo Museu Lasar Segall

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 O Museu Judaico de São Paulo inaugura em 29 de novembro a exposição Lasar Segall: sempre a mesma lua, realizada em parceria com o Museu Lasar Segall. Reunindo 60 obras — entre pinturas, gravuras, desenhos, aquarelas e documentos inéditos —, a mostra apresenta um panorama amplo da produção do artista. A curadoria de Patricia Wagner adota um olhar poético para explorar suas múltiplas linguagens e a construção de uma identidade que, embora enraizada na tradição judaica, dialoga com temas universais como deslocamento, espiritualidade e a condição humana.

O ponto de partida é a associação entre a imagem da lua e o profundo sentimento humano que Segall atribuía à própria identidade judaica. Entendida como presença constante e transformadora, a lua orienta o percurso expositivo e articula memória, espiritualidade e experiência coletiva. A partir desse símbolo, a mostra evidencia como, em cada fase, o artista equilibra tensões pessoais, heranças culturais e observações sobre o mundo.

Nascido em 1889 em Vilnius, na Lituânia, e naturalizado brasileiro, Segall cresceu em um ambiente de ortodoxia religiosa e tradições seculares. Filho de um escriba da Torá, teve contato imediato com práticas artesanais, influências que moldaram sua visão artística. Em um contexto dominado pela representação figurativa, sua escolha pela carreira representou uma ruptura relevante para a época.

Na Europa, em diálogo com a modernidade, Segall desenvolveu uma linguagem própria que combina sua ascendência judaica lituana, a cultura da Europa Oriental e a intensidade espiritual da região. Essa fase prepara o terreno para o núcleo central da exposição, que coloca lado a lado obras do período expressionista na Alemanha e trabalhos produzidos após sua imigração definitiva ao Brasil, em 1923. Nesse encontro, torna-se visível a “transcriação” de suas linguagens: a paleta tropical brasileira se sobrepõe às cores densas do período alemão, expandindo suas relações entre forma, cor e espaço.

A mostra destaca também a maneira como Segall absorveu os reflexos de seu tempo. Nos anos 1930, com o avanço da Segunda Guerra, a dimensão trágica da condição humana retorna em obras marcadas por atmosferas opacas, tons terrosos e representações de deslocamentos, perseguições e perdas.

No Brasil, sua condição de imigrante também o expôs a preconceitos, tema que perpassa sua produção e sua recepção crítica. Durante uma grande retrospectiva no Museu Nacional de Belas Artes, Vinicius de Moraes publicou um artigo defendendo o artista dos ataques conservadores. No texto, o poeta recupera um episódio relatado por Rubem Braga: ao observar a lua, Segall comentou “Essa velha lua, amigo, sempre a mesma…” — frase que resume o símbolo que permeia toda a exposição.

Entre as obras presentes no conjunto está Eternos caminhantes (1919), confiscada pelo regime nazista em 1937 e exibida na mostra Arte Degenerada, parte da campanha contra o modernismo. A pintura também integrou o documentário Arquitetura da Destruição (1989), de Peter Cohen. São exibidas ainda obras emblemáticas como Morte (1919), do acervo da Pinacoteca de São Paulo; Morro vermelho (1926), de coleção particular; e Interior de pobres II (1921), peça restaurada especialmente para a mostra.

Com um recorte direto e acessível, a curadoria destaca como Segall utilizou diferentes linguagens para construir uma identidade artística própria — ancorada em uma tradição específica, mas capaz de alcançar questões universais.

“Incorporando os dramas e transformações de seu tempo, Segall faz de sua produção o equivalente visual de um movimento ético e estético. A mostra propõe, assim, um olhar renovado sobre sua obra, destacando sua potência em articular dilemas humanitários e sociais que transcendem fronteiras geográficas, culturais e religiosas”, afirma a curadora Patricia Wagner.

Lasar Segall: sempre a mesma lua reafirma a relevância do artista e sua capacidade de transformar vivências pessoais e coletivas em imagens que continuam a suscitar reflexões sobre arte, memória e humanidade.

Sobre o artista

Lasar Segall (Vilnius, 1889 – São Paulo, 1957) foi pintor, gravador, escultor e cenógrafo. Formado nas academias de Berlim e Dresden, integrou a vanguarda expressionista e foi um dos fundadores da Dresdner Sezession Gruppe 1919. Em 1923, emigrou para o Brasil, estabelecendo-se em São Paulo, onde participou do movimento modernista e contribuiu para a criação da Sociedade Pró-Arte Moderna. Impactado pela guerra na Europa e pelos deslocamentos humanos, iniciou na década de 1930 uma série de obras que traduzem a dor do exílio e a condição dos marginalizados, como Emigrantes e Navio de emigrantes. Sua pintura alia rigor formal e empatia ética, articulando espiritualidade e crítica social. Naturalizado brasileiro, foi homenageado em vida com retrospectivas no MNBA e no MASP. Após sua morte, sua casa-ateliê transformou-se no Museu Lasar Segall, inaugurado em 1967.

Sobre o Museu Judaico de São Paulo (MUJ) 

O Museu Judaico de São Paulo cultiva e apresenta a diversidade das expressões da cultura judaica em diálogo com o contexto brasileiro e com o contemporâneo, dedicando à defesa dos direitos humanos e ao combate ao antissemitismo e a todas as formas de preconceito. Fruto de uma mobilização da sociedade civil, o MUJ foi inaugurado em 2021 como o maior museu judaico da América Latina e guardião do maior acervo judaico brasileiro. Além de quatro andares expositivos, com exposições permanentes e temporárias, o museu realiza festivais literários, concertos musicais, seminários, debates, publicações, oficinas e um amplo programa educativo, sempre entrelaçando perspectivas judaicas e não judaicas. Os visitantes também têm acesso a uma biblioteca com mais de mil livros para consulta e a um café que serve comidas judaicas. 

Para os projetos de 2025, o MUJ conta com o patrocínio da B3, a bolsa do Brasil, do Banco Safra e com o apoio do Itaú Unibanco, Dexco, Porto, Ticket Edenred, Vicunha Holdings, Leo Madeiras, Klabin, Banco Daycoval, Grupo Comolatti, Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados, BMA Advogados, Pinheiro Neto, Iochpe-Maxion, Leal Equipamentos de Proteção, CSN, Agro Química Maringá e Verde Asset Management.

Serviço: 

Lasar Segall: sempre a mesma lua

Curadoria: Patrícia Wagner

Abertura: 29 de novembro

Período expositivo: 29 de novembro a 5 de abril de 2026

Local: Museu Judaico de São Paulo

Endereço: Rua Martinho Prado, 128 – São Paulo, SP

Funcionamento: Terça a domingo, das 10 horas às 18 horas (última entrada às 17h30).

Ingresso: museujudaicosp.org.br/programacao/ 

Classificação indicativa: Livre

Acesso para pessoas com mobilidade reduzida

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