Espaço estava abandonado há cerca de dez anos, e com a PPP do Cave caiu de vez no descaso. Agora, com ocupação de um grupo de mulheres voluntárias, situação traz comoção, desafios e muitas dúvidas
POR AMARILDO CASTRO
Está dando e muito o que falar a nova situação da antiga Casa da Cultura no Guará. O local estava abandonado há cerca de dez anos, sem nenhuma utilidade, e deste o último dia 24 de outubro, é ocupada pelo chamado Movimento Olga Benario, que na prática, de acordo com uma das organizadoras em Brasília, Thais Oliveira, a ocupação no Guará é a 13ª casa com esse tipo de função no Brasil mantida pelo grupo, com a proposta de ajudar em várias vertentes, mulheres vítimas de violência doméstica e outros tipos de abuso no país inteiro.
Thais explicou que reconhece que o grupo adentrou à Casa da Cultura no último dia 24, sem os devidos documentos que garantem a presença ‘tranquila’ do Movimento Olga Bernario no espaço, mas que essa equipe faz exatamente isso, ocupar casas de cultura ou espaços públicos semelhantes que estão abandonados para a realização de trabalhos sociais, e que em seguida vai atrás de parcerias e documentação para continuar o trabalho.
Thais garantiu que o grupo vê de modo geral uma morosidade por parte dos governos em resolver a questão de alguns espaços públicos abandonados, e que se for esperar por uma ocupação dentro da lei, com todos os documentos necessários, o trabalho em geral nunca seria feito. “Aqui mesmo, a gente tem informação de que muitos tentaram, mas não conseguiram fazer”, relata.
“Na verdade, a gente nunca quer bater de frente, porque o que queremos é colaborar, e assim, no Brasil, temos trabalhos em 18 Estados, é uma luta em vários locais para ajudar às mulheres em situação vulnerável. No caso do Guará, nossa intenção não é só atender pessoas da cidade, e sim de todo o Distrito Federal, aqui acolhemos, explicamos, damos apoio e suporte em várias áreas para as mulheres. Temos muitos profissionais parceiros, entre psicólogos, assistentes sociais. Além disso, a gente divulga as próprias redes de enfrentamento do próprio governo, o que muitos mulheres sequer sabem”, explica.
Thais diz que a rede busca não competir diretamente com o Estado, mas sim, colaborar em forma de serviços às mulheres, somando à rede oficial do governo que já existe.
Na última quarta-feira, 16, essas mulheres conseguiram com a Administração do Guará uma reunião para tratar da situação. “Tudo que a gente faz é amparado pela lei, muitas pessoa não sabem, mas um imóvel público que tem uma função social não pode meramente ser abandonado pelo poder público. Então, aqui nesse caso, com quase 12 anos de abandono, se a gente for avaliar bem, o governo precisaria fazer alguma coisa, e com esse abandono, a gente veio cuidar”, cita.
Thais garante que o grupo tem uma rede de psicólogos, juristas, oficineiros culturais e muitas outras pessoas envolvidas.
Apesar de todas as explicações sobre o aparato para as benfeitorias sociais, Thais não revela a quantidade de pessoas que já foram atendidas no Guará desde a chegada do grupo. Garante que não o faz para proteger as próprias vítimas de violência. Assim, não divulga de forma pública, as pessoas atendidas.
Durante a chegada das equipes de reportagem, Thais também preferiu atender aos profissionais pela janela, evitando assim fotos do interior do espaço, ou ainda olhares de curiosos.
Repercussão no Guará
A ocupação pelo Movimento Olga Benario de forma arbitrária trouxe para o Guará uma avalanche de comentários, algumas críticas, elogios e uma ‘guerra’ com a Administração do Guará, responsável por gerir o espaço, embora estivesse abandonado. Além disso, há pessoas ligadas à cultura que apoiam esse movimento na cidade, como Janete das Graças, Clube de Museu do Disco de Vinil de Brasília, que durante vários anos tentou ocupar a antiga Casa da Cultura, tendo feito todo o processo para que a administração cedesse o espaço para atividades culturais, mas não conseguiu a autorização.
Além de Janete, gente de peso da Cultura do Guará está se mobilizando em favor da ocupação atual, como o presidente do Conselho de Cultura do Guará, Rênio Quintas. Embora a reportagem não tenha conseguido falar com Rênio, nas redes sociais ele se manifestou a favor da ocupação devido ao estado de abandono do local. Como presidente do Conselho de Cultuar do Guará, divulgou inclusive uma nota de repúdio nas redes sociais sobre a forma de solução sugerida pelo administrador do Guará, Roberto Nobre, que haveria sugerido o uso da força para a desocupação.
Comoção nas redes sociais
Nas redes sociais com integrantes do Guará, o tema vem dominando as conversas. No grupo de WhatsApp Guará, que tem à frente o Jornal do Guará, o assunto é tema dominante nos últimos dias. Enquanto alguns elogiam a ocupação, outros até questionam sobre os atendimentos feitos pelo grupo que lá está. “Até agora não sei sobre as mulheres atendidas aqui no Guará”, citou uma participante. Outros dizem que o bem é público, e que não poderia ser ocupado dessa forma. E assim as discussões seguem dia e noite.
Laudo que ninguém ainda viu
Por outro lado, haveria um suposto laudo da Defesa Civil que orientava a não ocupação da Casa da Cultura por supostos riscos na sua estrutura. Mas o documento nunca veio a público, e até hoje é uma incógnita. Vale lembrar que a reportagem não ouviu a Defesa Civil sobre esse tema, apenas a Administração do Guará.
Reunião com o Executivo local
Durante a reunião, com parte do tempo com a visita da deputada Erika Kokay (PT). Thais diz ter entregado ao administrador Roberto Nobre um documento com 45 páginas informando tudo que está sendo feito. No entanto, após a saída de Erika Kokay da reunião, Thais reclama que o tratamento foi ríspido, e que o administrador teria ‘autorizado’ as investidas policiais ao local. “Estamos aqui convivendo com isso o tempo todo, toda hora a polícia passa aqui para nos intimidar, mas vejo que de modo geral a comunidade está a nosso favor, e isso nos fortalece”, disse Thais.
A posição da Administração do Guará
A Administração Regional do Guará esclareceu, por meio de nota, que, como gestora do mobiliário público em questão, zela por sua guarda, assim também como a segurança da população nesses ambientes. O órgão ainda acrescenta que o local é objeto de Parceria Público – Privada para a instalação do novo Centro de Convivência do Idoso – CCI, em processo de licitação para a sua reforma e posterior disponibilização para a comunidade. Por essa razão, constitui-se a sua inatividade temporária até que se concluam os desdobramentos do processo de revitalização do espaço.
O órgão ressaltou que o local é público e que, para a realização de quaisquer projetos em prol dos moradores deve passar pelo rito legal com pedido formal junto à Administração Pública com a devida apresentação do projeto. No entanto, o movimento desde o início posicionou-se de maneira contundente não apresentando pedido formal para ocupação e também impedindo a entrada de servidores da Defesa Civil para diálogo e nova vistoria do local.
O pedido de análise para a permanência do grupo só ocorreu na quarta-feira (17), depois de tentativas frustradas de comunicação com as ocupantes. Somente após notificações extrajudiciais de desocupação foi possível viabilizar uma reunião pessoalmente com o grupo. Durante a reunião com o administrador regional foram apresentados os projetos bem sucedidos de apoio às mulheres em situação de violência doméstica, como o “Pró-Vítima” e a possibilidade em unir forças entre o propósito do movimento de amparo às mulheres com o já existente e consolidado projeto do GDF, mas, a tentativa de unir as parcerias foi negada pelo movimento.
A Administração Regional reforça que está impedida legalmente em permitir a ocupação irregular de imóveis públicos, tendo em vista a configuração clara e ilícita contra os ditames legais e constitucionais que resguarda.
O projeto apresentado ontem (17) pelo movimento encontra-se em análise.
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