Pesquisadores descobrem população de onças-pintadas na Serra do Mar no Paraná

Foto: Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar/Fundação Grupo Boticário
Com a descoberta, a região se torna a maior área prioritária para a conservação da onça-pintada na Mata Atlântica no Brasil. No bioma, a espécie perdeu 85% do habitat;

A pesquisa gerou registros fotográficos e em vídeos inéditos do felino na região

Como resultado de oito anos de estudo, pesquisadores do Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar – apoiado pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e o WWF-Brasil – confirmaram a presença de uma população com o registro de cinco onças-pintadas (Panthera onca) na Serra do Mar paranaense. O animal, que já foi considerado extinto na região, tem se refugiado em áreas montanhosas de difícil acesso para escapar de ameaças como a caça e o desmatamento. A descoberta amplia em 9% a área de ocupação da onça-pintada na Mata Atlântica e 46,9% na Serra do Mar, tornando a região a maior área prioritária para a conservação da onça-pintada nesse bioma no país. O estudo foi divulgado na revista científica Oryx, publicada pela universidade britânica de Cambridge.

Na Mata Atlântica, uma das florestas tropicais mais ameaçadas do planeta, a onça-pintada já perdeu 85% de seu habitat, e sua população é estimada em cerca de 300 indivíduos distribuídos em pequenas e restritas subpopulações, inclusive em florestas maiores. É o caso da Serra do Mar no Paraná, que integra o território da Grande Reserva Mata Atlântica, o maior contínuo de floresta protegida desse bioma no país.

“Os indivíduos que registramos estão em uma área florestal extensa e de difícil acesso. Por isso, a ausência de registros de onça-pintada nos últimos 20 anos pode ser resultado da falta de levantamentos, ao invés de refletir a ausência da espécie necessariamente. Investimos na investigação e tivemos esses importantes registros, que mudam o olhar sobre a política de conservação da espécie em nível nacional e local, atestando a importância da região e da sua proteção”, explica o pesquisador e coordenador técnico do Programa, o doutor em Ecologia e Conservação Roberto Fusco. “Temos os dados e estamos indicando o que é necessário ser feito para salvar a espécie que é símbolo da biodiversidade brasileira e que será exposta ao mundo no uniforme da Seleção Brasileira de Futebol na Copa do Mundo.”

Fusco, que também é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), explica que esses animais foram pressionados para áreas montanhosas e de difícil acesso principalmente por conta da caça, desmatamento e extração de palmito. “As onças-pintadas, assim como outras espécies de grandes mamíferos, são as que mais sofrem, direta e indiretamente, com a fragmentação das florestas e a pressão de caça porque dependem de áreas extensas e saudáveis para sobreviver. Na Serra do Mar, esses animais encontraram refúgio em áreas montanhosas, mais remotas e com difícil acesso para humanos, fator que talvez tenha contribuído para que esses felinos ficassem tanto tempo sem ser registrados”, diz.

Para Marion Silva, gerente de Ciência e Conservação da Fundação Grupo Boticário, a descoberta reafirma a importância da Grande Reserva Mata Atlântica na conservação da vida selvagem. “A Grande Reserva é uma oportunidade única para a conservação de uma das áreas mais importantes em biodiversidade do mundo. A presença da onça-pintada, espécie criticamente ameaçada de extinção nesse bioma, mostra o quanto os 2,7 milhões de hectares desse território são valiosos para a fauna, a flora e as pessoas. Esses resultados também demonstram a importância de investir em iniciativas que impactem positivamente a região. A descoberta, certamente, é o início de um novo marco para o território, olhando para as oportunidades e desafios”, reflete Marion, explicando que a Grande Reserva Mata Atlântica faz parte de 60 municípios de Santa Catarina, Paraná e São Paulo.

Área prioritária para conservação da onça-pintada

A atuação do Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar na localidade integra a Estratégia de Conservação da Onça-Pintada 2020-2030, um programa da Rede WWF em parceria com outras organizações, que contempla 15 áreas prioritárias, em 14 dos 18 países onde o felino ainda vive.

“Essa estratégia é um plano transfronteiriço, com o objetivo de garantir a conservação e recuperação da onça-pintada, especialmente em áreas prioritárias. Essa descoberta é um enorme passo nesse sentido, tendo muito impacto nas ações locais e globais de conservação. Ao proteger uma espécie topo de cadeia, como a onça-pintada, todo o entorno é beneficiado. Agora, esses dados devem ser utilizados estrategicamente para avançar na proteção desses territórios na região e no Brasil. A onça-pintada pode se tornar um símbolo de desenvolvimento sustentável na América Latina, e os esforços dirigidos para a sua conservação podem ajudar os países a cumprirem suas metas nesse tema”, diz Felipe Feliciani, Analista de Conservação do WWF-Brasil.

Nos últimos oito anos, os pesquisadores do Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar buscaram a ocorrência da onça-pintada em 6.500 quilômetros quadrados de floresta, utilizando dois métodos científicos: armadilhas fotográficas (câmeras escondidas que registram imagens da movimentação na floresta) e entrevista com moradores de comunidades rurais. Ao todo, foram 98 estações com armadilhas fotográficas e 249 entrevistas que apontaram áreas com o potencial de presença do animal. Os resultados culminaram em registros inéditos para a região de cinco onças-pintadas: duas fêmeas, dois machos e um indivíduo que não foi possível definir o sexo por meio das imagens.

O primeiro registro foi feito em 2018, de um casal, exibindo comportamento de acasalamento e, posteriormente, novos indivíduos em 2019. A presença de fêmeas e machos próximos indica que o uso dessa área pelas onças não é ocasional, mas que estão utilizando-a como parte de seus territórios para patrulhamento e reprodução, segundo Fusco.

O biólogo explica que os novos registros modificaram o status de uma área não ocupada para ocupada de onças-pintadas. “Tivemos um aumento de 9% na área de ocupação de onças na Mata Atlântica e um aumento de 46,9% na ocupação na Serra do Mar, em comparação com as áreas anteriormente estimadas de 37.825 e 7.315 quilômetros quadrados, respectivamente.

A descoberta é ainda mais relevante pela presença confirmada de machos e fêmeas, indicando a existência de uma população de onças com potencial reprodutivo. Segundo Fusco, essa informação classifica o grande bloco de floresta da Serra do Mar paranaense e do litoral sul do Estado de São Paulo como uma área prioritária para conservação da onça-pintada na Mata Atlântica. Uma vez que essa região é contínua a uma outra área prioritária já existente na Serra do Mar paulista, propomos uma expansão de 5.715 quilômetros quadrados a Sul, o que torna o grande bloco de floresta da Serra do Mar paranaense e paulista a maior área prioritária para a conservação da onça-pintada na Mata Atlântica, totalizando 19.262 quilômetros quadrados”, diz Fusco.

O coordenador acrescenta que, com o monitoramento em larga escala, seria possível entender os padrões e o processo de expansão e retração da população de onças ao longo do tempo e identificar potenciais conflitos de humanos com onças, um dos fatores que levam à morte desses animais por retaliação. “Esses dados são cruciais para a identificação de corredores e áreas de população que requerem proteção, para a mitigação de conflitos e planejamento de conservação. A descoberta é um sopro de esperança para espécie que está criticamente ameaçada de extinção na Mata Atlântica. Mas agora também é uma responsabilidade”, explica Fusco.


O pesquisador ainda reforça a importância de áreas protegidas para a conservação da espécie e a necessidade urgente de ações para reduzir a caça de onças e suas presas (como porcos-do-mato, veados, pacas, tatus e etc) de forma que garanta a persistência e a expansão populacional da onça-pintada ao longo da Mata Atlântica costeira.

Sobre o Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar
O “Programa de Monitoramento e Conservação de Grandes Mamíferos na Grande Reserva Mata Atlântica” é uma iniciativa idealizada por pesquisadores do Instituto Manacá e do Instituto de Pesquisas Cananéia (IPeC) que tem como objetivo implementar o monitoramento de grandes mamíferos em larga escala, promovendo uma agenda territorial integrada nas ações de proteção e manejo dessas espécies, assim como sensibilizar a sociedade civil da importância da Grande Reserva Mata Atlântica na conservação da vida selvagem.
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Sobre a Fundação Grupo Boticário
Com 32 anos de história, a Fundação Grupo Boticário é uma das principais fundações empresariais do Brasil que atuam para proteger a natureza brasileira. A instituição atua para que a conservação da biodiversidade seja priorizada nos negócios e em políticas públicas e apoia ações que aproximem diferentes atores e mecanismos em busca de soluções para os principais desafios ambientais, sociais e econômicos. Já apoiou cerca de 1.600 iniciativas em todos os biomas no país. Protege duas áreas de Mata Atlântica e Cerrado – os biomas mais ameaçados do Brasil –, somando 11 mil hectares, o equivalente a 70 Parques do Ibirapuera. Com mais de 1,2 milhão de seguidores nas redes sociais, busca também aproximar a natureza do cotidiano das pessoas. A Fundação é fruto da inspiração de Miguel Krigsner, fundador de O Boticário e atual presidente do Conselho de Administração do Grupo Boticário. A instituição foi criada em 1990, dois anos antes da Rio-92 ou Cúpula da Terra, evento que foi um marco para a conservação ambiental mundial.


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