“A Violência no Campo e o Papel do Estado” foi tema da audiência pública que ocorreu na manhã desta terça-feira, 2, no Palácio Maguito Vilela, sede da Alego. O encontro foi proposto pelo deputado Mauro Rubem (PT) e visou debater os desafios enfrentados pelas famílias acampadas em Goiás e propor soluções para as violações de direitos humanos dessas pessoas em situação de vulnerabilidade social.
A audiência pública contou com a presença de representantes de diversos órgãos e instituições, e com a participação dos movimentos populares do campo e da sociedade civil, para discutir e encontrar soluções para as questões relacionadas à violência no campo e o papel do Estado. Entre os temas que foram debatidos estão as denúncias apresentadas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) sobre a atuação da Polícia Militar de Goiás e fazendeiros locais em acampamentos de reforma agrária, que teriam invadido e destruído barracos onde vivem famílias sem qualquer investigação prévia ou documento judicial
Além de Mauro Rubem, idealizador da audiência pública e representante da Alego, compuseram a mesa de debates o desembargador Anderson Máximo, do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) e Coordenador da Comissão de Conflitos Fundiários; o defensor público do estado de Goiás, coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do estado de Goiás, Tairo Esperança; o defensor regional de Direitos Humanos, Pedro Paula Gandra Torres; o promotor de justiça, Márcio Lopes Toledo; a diretora de mediação e conciliação de conflitos agrários do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Cláudia Maria Dadico; o representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) – Campo Unitário Goiás, Saulo Reis; e a deputada Bia de Lima (PT).
Transição agroecológica
Ao iniciar os trabalhos, o deputado Mauro Rubem ressaltou que o tema é imprescindível de debate e salientou que a urgência do assunto se dá, sobretudo, pela relevância das temáticas ecológicas. Ele reiterou a defesa da pauta e pontuou que o desequilíbrio da terra é nocivo para toda a humanidade. “Nós temos um compromisso em produzir alimentos saudáveis, garantir o meio ambiente e combater a crise climática que ameaça a humanidade. Por isso eu defendo a reforma agrária, defendo a finalidade social da terra. Precisamos, de maneira civilizada, dialogar”.
O deputado apontou, ainda, a necessidade em estabelecer uma relação direta entre os movimentos agrários e o Estado, de modo que cada um cumpra seu papel. “Entendemos que o Estado não pode induzir somente a um modelo atabalhoado e destruidor, baseado em agrotóxicos e transgênicos. Queremos discutir uma transição sustentável, tecnológica e distributiva. É importante a transição agroecológica”, disse.
Aumento da violência
Saulo Reis, representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) – Campo Unitário Goiás, denunciou o aumento assustador da violência contra lideranças de movimentos sociais e relatos de pistolagem em várias regiões do estado. Ele afirmou que, “desde o semestre passado, a gente tem se deparado com o aumento da violência de forma assustadora”. Segundo o representante, essa violência é praticada tanto por fazendeiros e suas contratações de empresas privadas que agem como jagunços, quanto por “alguns funcionários das fazendas”.
Saulo denunciou, também, ações da Polícia Militar de Goiás, que, em alguns casos, estaria “atacando acampamentos da reforma agrária sem qualquer tipo de investigação ou ordem judicial”. Reis ressaltou que isso fere os direitos humanos e o direito constitucional das famílias que lutam pelo acesso à terra. Em seu relato, Saulo Reis destacou casos ocorridos em municípios como Jussara e Ipameri, onde a Polícia Militar teria destruído barracos e lares de famílias acampadas. Ele também mencionou a perseguição e o monitoramento de lideranças de movimentos sociais pela polícia desde 2021. Para finalizar, o representante da CPT reforçou a importância de garantir a segurança das famílias que lutam pelo direito à terra, conforme previsto na Constituição.
Goiás em alerta
Em sua participação na mesa de debates, a diretora de mediação e conciliação de conflitos agrários do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Cláudia Maria Dadico, destacou a importância do diálogo e da mediação na resolução de conflitos agrários. Ela enfatizou a preocupação com a situação de Goiás, mencionando “denúncias realmente muito preocupantes e muito graves” relacionadas à violência no campo.
Cláudia Dadico criticou ações violentas e inconstitucionais por parte das forças policiais, afirmando que “esse tipo de prática não se sustenta do ponto de vista do direito e não se sustenta do ponto de vista da observância dos parâmetros internacionais de direitos humanos”. Além disso, a diretora questionou a justificativa de ações violentas baseadas em supostos direitos de propriedade, apontando que “a vida e a integridade física das pessoas não podem ser justificadas pela defesa da propriedade”.
A diretora também abordou a questão do “esbulho possessório”, argumentando que “essa interpretação é totalmente equivocada do ponto de vista do direito”, pois a intenção dos ocupantes é protestar diante do não cumprimento das políticas públicas de reforma agrária. Dadico defendeu que a solução para os conflitos no campo deve respeitar os direitos humanos e buscar uma solução pacífica, que permita a permanência das pessoas em seus lugares e uma composição que respeite a dignidade humana.
A audiência pública acontece para discutir e refletir sobre a violência no campo e a busca por soluções que garantam o respeito aos direitos humanos e a função social da propriedade. A participação da diretora Cláudia Maria Dadico evidencia a importância do diálogo e da cooperação entre diferentes instituições e atores sociais na resolução de conflitos agrários no Brasil.
Reconstrução
A deputada Bia de Lima (PT) também participou da audiência pública sobre violência no campo e papel do Estado. Em sua fala, a deputada pontuou que é preciso avançar nas políticas públicas que foram perdidas ao longo dos últimos anos. “A hora de reconstruir é agora, para termos perspectivas de crescimento e fazer com que a terra cumpra seu papel social”, disse.
Bia de Lima também considerou que o momento requer empenho, trabalho, resistência, e cuidado para atuar sobre a temática, sobretudo pelos embates que ocasionalmente ocorrem entre os movimentos agrários e produtores do agronegócio.
“Vamos lutar e nos unificar por uma perspectiva de avançar, ainda mais, no campo e na cidade. O nosso povo precisa ter esperança, vida digna e oportunidades para continuar produzindo, fazendo a diferença e girando a roda da economia. Para tal, nós precisamos oferecer perspectiva, financiamento, linha de crédito, oportunidade para construir sua casa, serviços de saúde e podem contar com nosso mandato para esses serviços”, concluiu.
Atuação em defesa dos direitos
O defensor público do Estado de Goiás, Tairo Esperança, também fez uso da palavra durante a audiência pública sobre a violência no campo e o papel do estado. Em sua narrativa, o defensor inicialmente comentou da necessidade do fim da violência. “Precisamos atuar para garantir a paz no campo, mas reconheço que esse tema sobre a violência e o papel do estado é um tema muito difícil, até porque existe uma questão estrutural e, por isso, devemos pensar de forma preventiva, que inclusive foram apontadas aqui em vários momentos. Quando falamos em conflitos, desocupações, reforma agrária, estatuto da terra, falamos em direitos”, falou o defensor.
“Nosso regime de terras é estruturalmente e historicamente desigual e esse aspecto permanece até hoje aprofundando as desigualdades existentes nas questões agrárias no país. A reforma agrária já foi feita em vários países, fruto do regime democrático, mas aqui no nosso país ainda temos que buscar soluções para isso. Fico feliz que o governo tenha instituído uma comissão para que haja espaço de diálogo”, destacou. Por último, o defensor assegurou que, como defensor público, fica muito feliz em participar da promoção desses direitos sociais que são direitos humanos. Ele entende que é necessário a garantia desses direitos. “Peço que tragam as denúncias para a defensoria pública e o MP que também tem uma grande parceria com a nossa instituição”, finalizou.
O desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO), Anderson Maximo, apontou que as mudanças em defesa dos pequenos produtores são importantes, inclusive as simbólicas. Ele apontou que a comissão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que media conflitos agrários, sofrerá alterações e passará a atuar com o título de “Comissão de soluções agrárias”. Ele explicou que o debate precisa ser democrático. “A ideia é dialogar, buscar soluções. O Poder Judiciário precisa sair dessa condição de apenas julgar e aplicar normas, mas conciliar, através do pluralismo jurídico, e sentir a controvérsia”, disse. Anderson também explicitou que é preciso buscar as soluções dentro do direito e detalhou a atuação da Comissão e do apoio do TJ em defesa do tema. “O Poder Judiciário está à disposição para debater e chegarmos a uma solução”, concluiu.
No mesmo sentido, o superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Goiás, Elias D’Ângelo, ressaltou que não se combate a luta da reforma agrária com violência. Ele reiterou que a atuação do Incra é em defesa da reforma agrária. “Essa questão da reforma agrária é o nosso tema principal. Enquanto houver terras improdutivas, trabalhadores sem-terra e injustiças na distribuição de terra, é preciso lutar. Estamos aqui trabalhando para reconstruir a divisão de terra. Esse é o objetivo do Incra”, disse.
Outro presente no encontro foi o defensor regional de Direitos Humanos, Pedro Paula Gandra Torres. Na oportunidade, ele salientou que o papel da defensoria pública é atuar na defesa dos direitos dos mais vulneráveis. Ele apontou, ainda, que o órgão oferece diversos serviços, sobretudo na reunião de documentos necessários para que os beneficiários da reforma agrária consigam ter acesso aos meios e infraestruturas necessárias para produzir nas terras que lhes são de direito. “Essa comissão de soluções em conflitos fundiários atuará, inclusive se necessário, pela responsabilização do Estado. Buscaremos, em termos coletivos e individuais, do ocupado e do ocupante, em garantir a legalização dos projetos de reformas e assentamentos e auxiliar esse pessoal aos meios necessários para acessar a terra e nela produzir”, concluiu.
Ponto de vista
“Vermelhão”, como é conhecido, é líder de assentamento popular e participou do encontro representando famílias de vulnerabilidade social que dependem da reforma agrária. Ele apontou em sua fala que, nos casos de violência, no campo o mais importante é realização de uma oitiva, não somente pensando na punição, mas principalmente para que seja traçada a realidade existente no campo.
“O que mais me chama atenção é, primeiro as abordagens indevidas; depois a presença de armas de grosso calibre. Ainda tem as destruições de acessos para os locais (dos acampamentos) e as cidades mais próximas. Fora ameaças de morte, presença constante de viatura com luzes acesas dia e noite”, contou.
Ele apontou, ainda, que os locais não recebem atenção do Poder Público e falou sobre a falta de serviços básicos, como saneamento, saúde e educação. “É uma situação de abandono e violência. A ideia de conciliação e construção justa para pela apuração dessas condições”, finalizou.
Falando em nome da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), Alair ponderou que a Contag tem se preocupado muito com a violência no campo, especialmente por entenderem que a violência no campo é praticada pelo fascismo. “Precisamos construir políticas públicas bem estruturadas para combater essa violência brutal, combatendo esses elementos infiltrados. Acredito que vamos conseguir ter uma organização para a formação de novos assentamentos. Precisamos ter esperança, o governo do estado não está proibido de fazer assentamentos e desapropriações, por isso precisamos promover a discussão aqui também no estado de Goiás”, concluiu.
Agência Assembleia de Notícias
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