Mostras paralelas e atividades de mercado compõem Festival de Brasília de 2022 Texto: Bárbara Bergamaschi, Jamile Rodrigues, José Maciel e Lúcio Flávio. Fotos: Hugo Lira e Marina Gadelha. Edição: Déborah Gouthier/Ascom Secec O dia 15 de novembro foi feriado, mas também foi dia de cinema para quem acompanha a 55ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (FBCB). Marcado pelo início dos debates e das mostras paralelas, a terça-feira de Festival contou com a exibição de obras-primas e com a realização de importantes discussões sobre o audiovisual brasileiro. O evento, que segue até o dia 20, é promovido pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec) em parceria com a organização da sociedade civil Amigos do Futuro. Neste que foi o segundo dia de FBCB, chamou atenção a presença marcante dos brincantes, dos bonecos mamulengos, dos palhaços e dos super-heróis. Numa noite em que o público lotou o Cine Brasília para conferir a estreia da Mostra Brasília, fantasia e alegoria deram o ar da graça por meio de produções com narrativas criativas, divertidas e pitadas de nonsense. Com diversas poltronas ocupadas por crianças, o curta-metragem Super-Heróis, de Rafael de Almeida, criou empatia imediata com o público infantil e adulto a partir da história de um personagem glutão e atrapalhado. Despretensioso, o filme trabalha com signos afetivos que marcaram toda uma geração e que vão desde brinquedos a vilões marcantes, como o temido Dr. Gori de Spectreman. Os conflitos de uma relação na terceira idade foram o tema da comédia dramática Desamor, de Herlon Kremer, que comove o público com a história de Heloísa e Alfonso. Já o primeiro longa da Mostra Brasília apresentado nesta 55ª edição do FBCB foi o terno Capitão Astúcia, de Filipe Gontijo, que estreita os laços afetivos entre um jovem frustrado e seu avô sonhador apaixonado pela aventura e pela vida. Destaque para a bela atuação do veterano ator Fernando Teixeira, num papel que foge das atuações carrancudas que marcaram sua carreira. O filme, vale pontuar, é uma das obras do Festival que contou, em sua produção, com o fomento do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal (FAC). A jornada de exibições continuou com a Mostra Competitiva, que está sendo exibida no Cine Brasília, mas também, e gratuitamente, no Complexo Cultural de Planaltina e no Complexo Cultural de Samambaia. O primeiro curta-metragem da noite foi o carioca Nossos Passos Seguirão os Seus…, de Uilton Oliveira. Com narrativa experimental, o filme aposta no revisionismo histórico para contar a trajetória do operário brasileiro Domingos Passos, militante grevista dos anos 20. “O filme fala da experiência de trabalhadores marginalizados na história do movimento operário”, destacou o diretor, chamando atenção para a reivindicação de luta que o projeto suscita. Em seguida, dirigido pela dupla Tom Motta e Marisa Arraes, do DF, o curta Anticena traz um engenhosa trama metalinguística ao acompanhar a trajetória de um motoboy que tem o hábito de registar suas peripécias pelas ruas da cidade. Já o longa pernambucano Espumas ao Vento, de Taciano Valério, discute o enfraquecimento e a banalização da arte popular por meio da trajetória de uma trupe de teatro de mamulengos de Caruaru. Nas entrelinhas desse drama reflexivo, que começou empolgando a plateia, estão questões como medo, perda e resgate da arte genuína do povo. REEXISTÊNCIAS A terça-feira também foi marcada pelo início da Mostra Paralela Reexistências, que reuniu o público do Cine Brasília para assistir ao documentário O Cangaceiro da Moviola (MG/RJ). O filme narra a trajetória de Severino de Oliveira Souza, popularmente conhecido como Severino Dadá, que iniciou sua trajetória no cinema brasileiro ainda na década de 1960 e segue em plena atividade, tornando-se uma verdadeira referência no audiovisual. A história foi dirigida pelo cineasta e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Luís Rocha Melo, e mescla imagens atuais e de acervo, além de depoimentos e participações especiais para retratar a relação de amor entre Dadá e o cinema. Após a exibição do filme, o diretor participou de debate com os espectadores e contou um pouco sobre a sua trajetória no universo cinematográfico brasileiro. Luis Rocha também falou da relação profissional e de amizade que mantém com Dadá e frisou, ainda, a relevância da função de montador. “Eles precisam ter sangue frio para saber o que cortar e o que não cortar”, pontuou. Segundo ele, as pessoas assistem a um filme e geralmente elogiam a fotografia, o roteiro, as performances dos atores, mas não pensam de forma mais abrangente, com tudo o que a sétima arte envolve. Natural de Belém do Pará e cinéfila de carteirinha, a advogada Maria de Fátima Santos Luz acompanhou a exibição e o debate sobre O Cangaceiro da Moviola. Ela conta que acompanha o Festival de Brasília desde a década de 1990 e que estava contando as horas para a volta presencial do evento. “Já tinha vindo a Brasília para acompanhar outras edições do Festival e agora moro aqui há quatro anos. A pandemia infelizmente prejudicou a realização desse momento tão aguardado por quem é cinéfilo. Ficar em casa vendo streaming ou filme em televisão não é a mesma coisa e eu já não estava satisfeita com isso. Estava com saudade do festival e fico feliz pela sua retomada e por poder estar aqui”, celebrou. DEBATES Como já é tradição no Festival dos Festivais, nas manhãs que se seguem à Mostra Competitiva acontecem os fundamentais debates, tão acalorados e polêmicos quanto as projeções dos filmes na tela do Cine Brasília na noite anterior. Assim, a manhã de terça-feira recebeu o primeiro debate dessa edição, para debater Mato Seco em Chamas (DF), Big Bang (MG/RN) e Ave Maria (RJ). Autêntico, o cineasta de Ceilândia, Adirley Queirós falou, acompanhado da companheira na direção Joana Pimenta e de parte da equipe de Mato Seco em Chamas, sobre o trabalho com atores não profissionais, o desafio da impactante direção de arte e fotografia, bastidores de cenas e o processo de criação e desconstrução do roteiro que flertou, como já é conhecido no estilo da dupla, entre o documental e a ficção. Ele também destacou o desafio de legitimar os espaços periféricos dentro de uma narrativa autoral. “Trabalhamos sem roteiro, com a liberdade de errar muito, mas o erro foi fundamental para que pudéssemos acertar”, registrou. “O cinema é uma aventura que discute nossas contradições.” Protagonista do singelo e incisivo curta-metragem Big Bang, de Carlos Segundo, o ator paulista Giovanni Venturini, portador de nanismo, destacou o trabalho de construção do personagem marginalizado por sua condição física. “Atuei como palhaço e em espetáculos infantis, mas resolvi fechar as portas para esse tipo de papel e buscar personagens mais densos”, contou. Diretora do outro curta-metragem, o drama familiar Ave Maria, Pê Moreira não escondeu o nervosismo como realizadora debutante e a audácia sobre realizar um filme a respeito da condição de pessoas binárias de gênero. Também destacou a força do elenco majoritariamente feminino, destacando a atuação da atriz Cyda Moreno, que interpreta sua avó, Gina, falecida recentemente. “Essa personagem é um alívio no filme em relação aos outros que são tão tensos”, comparou Pê Moreira. FORMATIVAS Ainda durante a manhã deste segundo dia de FBCB, Marianne Macedo, primeira assistente de direção e continuísta, realizou, de forma virtual e gratuita, a segunda etapa da Oficina de Assistência de Direção, tendo como foco profissionais que já possuem alguma experiência no mercado audiovisual. Marianne falou sobre as divisões dos trabalhos para quem é 1º, 2º e 3º assistente de diretor (AD) e utilizou o filme O Sofá (2017), em que atuou como 1º AD, para exemplificar as atividades da equipe. Ela também destacou a importância do trabalho realizado por esses profissionais. ‘‘Eu acredito que o AD é o braço direito do diretor ou da diretora. Esse é o profissional que coordena a obra, controla os tempos para que a filmagem seja realizada, faz a dinâmica de atuação dos atores e mantém o relacionamento das equipes, respeitando as complexidades, os deslocamentos, entre outros’’, comentou. Na parte da tarde, o Hotel Grand Mercure recebeu o primeiro painel da 1ª Conferência do Cinema Nacional, com o tema da reconstrução do audiovisual brasileiro. O encontro discutiu o atual cenário do mercado e procurou estabelecer metas para a reconstrução do setor, reunindo representantes da Associação de Profissionais do Audiovisual Negro (APAN), Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte e Nordeste (CONNE), Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Cinematográfica e do Audiovisual (SINDCINE), Brasil Audiovisual Independente (BRAVI), além do diretor Adirley Queirós. Na plateia lotada, estava o indígena Marcelo Cuhexê, diretor do filme Levante pela Terra, destaque da programação desta quarta-feira (16) na Mostra Brasília. “É muito importante esse encontro, porque a gente sonda o cenário que a gente tem para produzir trabalhos que tragam retorno à sociedade”, salienta. “Nesse sentindo, temos que incluir nessa direção os mais diversos povos, indígenas, de matriz africana, o Brasil é composto por essa diversidade”, defende. A mediadora do painel, Cíntia Domit Bittar, representando a Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro (API), achou que as discussões foram bastante produtivas, com propostas que vão contribuir na construção de uma carta de intenções. “Será uma documentação simples, com poder de registro, construída com os pontos em comum para que o governo de transição saiba que estamos cuidando, pensando a gestão como gestão”, explica a diretora, produtora e roteirista, sócia da Novelo Filmes. “Será um documento objetivo, curto, muito certeiro e assertivo para demonstrar os nossos interesses, o que a gente encara como desafio e urgência.” Ainda entre as atividades do dia, os cinco selecionados para a Clínica de Projetos promovida pelo Festival de Brasília de 2022 receberam consultorias individualizadas de seus projetos com Krishna Mahon. Um dos grandes nomes do setor audiovisual brasileiro, Krishna acumulou os prêmios Promax, APCA e Emmy ao longo de seus 30 anos de carreira. Ela foi incumbida de preparar os participantes para a difícil tarefa de defender publicamente seus projetos nos Pitchings Abertos que ocorrem na próxima sexta-feira, dia 18/11, com grandes players do mercado. Mesmo diante do desafio, ela vibra e se emociona com cada projeto: “Eu me apaixono pelas ideias, me deixo levar pelas emoções e então fico muito na torcida. Me sinto muito feliz de virar a madrinha de tantos projetos. Poder fazer essas pontes e ajudar nesses laços é muito importante para mim, porque o audiovisual é isso: a gente transforma pessoas que transformam o mundo! E aqui no Festival de Brasília o que eu vi são projetos muito bons que merecem ser feitos e chegarem no maior número de pessoas”. Uma das contempladas para a integrar a atividade, que faz parte do Ambiente de Mercado do Festival, foi a cineasta Carina Bini, com o projeto de “Pajés”, uma série documental, contemplada pelo FAC-DF, que narra oito histórias inspiradoras sobre pajés mulheres de oito etnias indígenas brasileiras. “Estar participando da Clínicas com Krishna Mahon é um privilégio que o festival FBCB nos proporciona. Eu sou uma fã do trabalho dela, uma mulher que inspira muitos cineastas”, destaca. “É muito importante nós conseguirmos entender como funciona o mercado, a indústria, de forma a negociar e vender nossos projetos. E a Krishna tem um olhar de quem já ouviu, avaliou e participou de muitos pitchings, o que é muito bacana. Isso faz com que a gente amadureça os projetos.” SERVIÇO: 55ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro De 14 a 20 de setembro Local: Cine Brasília Exibições também no Complexo Cultural de Planaltina e de Samambaia Confira a programação completa em: https://festcinebrasilia.com.br/programacao/ Ingressos nas bilheterias Textos e fotos: colaboração da Assessoria de Imprensa da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF |
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