“A escravidão ainda existe no trabalho doméstico”

Yenny Hurtado: trabalho em dobro para viajar (Foto: Divulgação)
  • A afirmação é de Yenny Hurtado, do Sindicato Nacional de Serviço Doméstico da Colômbia. Ela esteve no primeiro dia do Colóquio Internacional “Cuidado, Direitos e Desigualdades” que segue até dia 16 na USP. Mais de 70 pesquisadores e pesquisadoras, incluindo 40 especialistas internacionais estão reunidos para apresentar dados e pesquisas sobre diversidades e desigualdades no mercado de trabalho do cuidado

Durante o primeiro dia do Colóquio Internacional “Cuidado, Direitos e Desigualdades” foram discutidos o mercado de trabalho do cuidado em seis países – Brasil, Colômbia, França, Uruguai, Estados Unidos e Canadá. Os estudos apresentados mostram o cenário da pandemia para cá, O encontro marca a culminância do projeto Who Cares? Rebuilding Care in a Post Pandemic World, que ao longo de três anos promoveu a cooperação entre equipes acadêmicas dos países estudados.

O evento será também o marco de lançamento do Observatório CuiDDe “Cuidado, Direitos e Desigualdades”, iniciativa permanente da Rede CuiDDe, que reúne especialistas de todo o país e seguirá impulsionando estudos, dados e propostas de políticas públicas após o encerramento do projeto internacional.

Ruth Milkman, professora de Sociologia e História do Centro de Pós Graduação da City University de Nova York (CUNY) apresentou análises preliminares de uma enquete sobre o cuidado domiciliar nos Estados Unidos no verão de 2024. Os participantes foram recrutados por meio de anúncios no Facebook e Instagram. A pesquisa resultou em cinco mil respostas válidas, distribuídas entre quatro regiões: Nova York, Los Angeles e áreas urbanas do Sudeste e Sudoeste do país.

A maioria dos respondentes foi mulheres, sendo mais de dois terços imigrantes e cerca de 90% racializadas. A maioria dos trabalhadores é paga por meio de agências de home care, mas pelo menos 18% atuam no chamado “mercado cinza”, sendo contratados diretamente pelas famílias.

A voz de quem cuida

Em outra mesa do Colóquio, Yenny Hurtado, do Sindicato Nacional de Serviço Doméstico da Colômbia, afirmou que o trabalho doméstico naquele país ainda é precário. “Os políticos nos procuram durante a eleição. Depois nos abandonam. Para chegar a esse congresso, tive que trabalhar o dobro, porque senão não me deixariam vir. A escravidão ainda existe no trabalho doméstico”, disse ela.

Ana Gilda Soares dos Santos, vice-presidente da Associação dos Cuidadores da Pessoa Idosa da Saúde Mental e com Deficiência do Estado do Rio de Janeiro (ACIERJ), concordou com Yenny e afirmou ainda que não há regulamentação da profissão de cuidadores, o que prejudica principalmente os menos favorecidos. “É importante ter políticas públicas para essas pessoas”, afirmou.

Sobre essa questão, Laís Abramo, secretária nacional da Política de Cuidados e Família do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), presente no evento, afirmou que sua pasta está trabalhando na condução da Política Nacional de Cuidados. “É a primeira vez que esse tema entra na agenda pública como uma política nacional integrada”, disse ela. “Foi uma orientação direta do presidente Lula: desenvolver, primeiro, uma análise sobre a organização social dos cuidados no Brasil — ou seja, entender quais são as necessidades da população em termos de cuidado, e como esse cuidado é provido atualmente”, afirmou.

Laís Abramo: plano para política do cuidado (Foto: Divulgação)

A partir desse diagnóstico, foi feita a proposta do Plano Nacional de Cuidados. A lei que institui a Política Nacional de Cuidados (Lei 15.069/2024) foi aprovada em novembro com ampla maioria no Congresso e em dezembro no Senado, por unanimidade. Foi sancionada pelo presidente Lula no final do ano passado. “Agora, nosso próximo passo é o lançamento oficial do plano”, disse Laís.

Sobre o trabalho desenvolvido pela Rede Cuidde, a secretária afirmou que no Brasil há um acúmulo significativo de pesquisas sobre o tema — desde a discussão conceitual sobre o que significa “cuidado” e “políticas de cuidado”, até as várias dimensões que esse cuidado assume na sociedade. “Esse acúmulo, coordenado pela professora Nadya Guimarães, é uma referência na sociologia do trabalho. Ela vem se dedicando ao tema há vários anos, e é importante ressaltar a relevância dessa produção acadêmica e o papel da universidade nesse debate”, concluiu.

Nadya Guimarães: referência da sociologia do trabalho (Foto: Divulgação)

Os halos do cuidado

“Diversidades e desigualdades nos mercados de trabalho de cuidado. Desafios nas comparações Sul- Norte (Brasil, Colômbia, França) foi outro tema abordado no Colóquio. O estudo procurou dimensionar a amplitude das ocupações de cuidado, documentar a heterogeneidade interna do cuidado remunerado e comparar padrões de desigualdade entre países.

Para isso, foi usada uma metodologia, chamada “os halos do cuidado” que torna comparáveis as pesquisas nacionais de empregos. Simone Wajnman, da Universidade Federal de Minas Gerais, explicou que o critério combina cinco halos o cuidado remunerado:

Halo 1: Doméstico/Recorrentes/Diretos: responsáveis pelos cuidados infantis, cuidadores domiciliares;

Halo 2: Doméstico/Recorrentes/Indiretos: empregadas domésticas, trabalhadores(as) de serviços domésticos gerais;

Halo 3: Não doméstico/Recorrentes/Diretos: cuidadores de crianças em instituições, professores(as) da educação infantil, cuidadores(as) em instituições;

Halo 4: Não doméstico/Ocasionais/Diretos: médicos, assistentes sociais de nível intermediário e auxiliares;

Halo 5: Não doméstico/Ocasional/Indiretos: cozinheiros, garçons, vendedores ambulantes de comidas.

Os resultados estão nas tabelas abaixo:

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