As lições que ficaram do pioneiro de Brasília, Alberto Fernandes, que perdeu a luta contra a covid-19

Aos 88 anos, ex-camelô não resistiu a complicações de saúde em um hospital particular. Foi enterrado domingo, 2, no Campo da Esperança. Exemplo de homem lutador, iniciou sua vida no DF como camelô

Texto e fotos: Amarildo Castro – Um dos mais conhecidos empresários do ramo imobiliário do DF faleceu no último domingo aos 88 anos após lutar por quase vinte dias contra a covid-19. Alberto Fernandes, da Beiramar Imóveis havia dado entrada em um hospital particular com sintomas típicos da doença. Chegou a se recuperar, mas não resistiu a outras complicações decorrentes de infecções. Na cidade, deixa familiares, um legado de amigos e uma empresa sólida.

Alberto Fernandes, antes de montar a Beiramar Imóveis, em 1981, começou sua luta na cidade no Núcleo Bandeirante, onde iniciou a vida como camelô. Em uma edição da Revista Ponto DF, um impresso editado por Amarildo Castro em meados de 2010, Alberto concedeu à época uma longa entrevista. No bate papo com o jornalista, narrou sua história antes da criação da Beiramar Imóveis.

Com visão apurada para os negócios, Alberto fez da Beiramar Imóveis um exemplo de empreendimento de sucesso (Foto: arquivo/Amarildo Castro/2010)

Vindo de uma família simples, chegou a Brasília – como fez questão de enfatizar – no dia 18 de dezembro de 1959, às 18h. Na época, era um jovem de 27 anos. Na bagagem, apenas algumas roupas que trazia e um bom estoque de joias, relógios, aparelhos de som e outros objetos para revender. Ele comentou no período que passou três meses negociando um ponto para chegar na cidade e começar logo a trabalhar. Quando desembarcou, foi direto para a Avenida Central do Núcleo Bandeirante, com uma loja própria.

Três meses antes, no entanto, passou por Brasília com destino ao Rio de Janeiro. Por ironia do destino, ficou no Distrito Federal, mais especificamente na Cidade Livre, durante uma semana.

Logo depois, seguiu viagem para o Rio. “Era um negócio impressionante, passei aqui por acaso, mas vi na cidade um potencial muito grande para os negócios. Eu já vendia jóias, outras peças e acreditei que ali mesmo, na Cidade Livre, seria uma nova “ilha” para meus negócios”.

E assim Alberto o fez. Acreditando na sua visão empreendedora, retornou ao Amazonas apenas para concluir pequenos negócios e se desfazer de algumas coisas. Três meses depois, Alberto estava de volta à Cidade Livre. Dessa vez, para tentar uma nova vida, com foco no seu comércio.

Ele conta que na época já usava os recursos da publicidade, como uso do serviço de alto-falantes do senhor Cézar Braz, que ficava ao lado do cinema. Por outro lado, o potencial para os negócios era inacreditável. “Vários funcionários do governo e das empreiteiras gastavam boa parte dos ganhos com esse tipo de comércio. Além disso, o governo não exigia o pagamento de impostos” diz.

Alberto relembrou na entrevista, com emoção, do funcionamento do comércio: “Era algo inacreditável, o movimento era muito bom e não faltavam clientes”, dizia.

Recomeço

Depois de alguns meses, uma trajédia. O quarteirão todo onde ele trabalhava pegou fogo, e cerca de 70% do estoque da loja foi queimado. Batalhador, como ele mesmo diz, foi ao Rio de Janeiro e São Paulo e repôs o estoque. Montou uma nova loja e recomeçou a vida. Dessa vez, com tudo de primeira qualidade, até com ar-condicionado. A loja ficava na 108 Sul, na Rua da Igrejinha. Ele lembrou à época que isso aconteceu em 1961. Logo em seguida, em 1962, começou a crise, durante o governo de Jânio Quadros.

Com o Congresso fechado, em 1964, o seu comércio também ruiu, já que a demanda diminuiu de forma drástica. O jeito foi mudar de ramo.

Em 1965, Alberto montou uma fábrica de embalagens, voltada ao atendimento de supermercados. “Na época, as embalagens eram de papel, mas isso durou pouco. “Fomos surpreendidos no início dos anos 70 pela crise de celulose e o custo da matéria-prima foi às alturas. Até quem tinha cota de papel no exterior não conseguia importar”, comentou na reportagem concedida a Amarildo Castro.

Como já havia construído um patrimônio, a saída foi vender um terreno com mais de 4.500 metros quadrados, no Setor Gráfico. A transação aconteceu em 1975. “Vendi na época por 2.450,00 Cruzeiros, era um bom dinheiro”, relembrou.

A saída foi investir em lojas comerciais no Conjunto Nacional e em alguns imóveis em Taguatinga. As lojas no Conjunto Nacional começaram a dar prejuízo porque foram alugadas, a maioria, para dentistas recém-formados. Já nas casas em Taguatinga, as pessoas também começaram a não pagar aluguel e nem devolviam o imóvel. “Foi um desespero, tinha um bom capital investido, mas não tinha lucro nem dinheiro, só dor de cabeça. Eu precisava mudar isso”, afirmou à época.

Conselho de amigo

Foi diante desse fato inusitado que, por conselho de um amigo, comprou um escritório imobiliário que já atuava com quatro corretores. Mesmo assim, o objetivo era administrar os próprios imóveis. Desta forma, tocou a vida por dois anos, sem muitas pretensões.

Em 1981, depois de uma certa experiência no ramo, decidiu montar a Beiramar Imóveis, que em 2020 completou 39 anos no mercado. É considerada uma das mais completas imobiliárias do Distrito Federal.

Como personalidade, ganhou ainda o título de Cidadão Honorário de Brasília em 2014.

Alberto Fernandes foi enterrado no domingo (2) no cemitério Campo da Esperança, deixando um grande legado para o DF.

*Esta reportagem é também uma forma de homenagem a Alberto Fernandes, parceiro comercial de Amarildo Castro (editor deste blog) em 2010/11.

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