Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra Mulheres

Raquel Gallinati Divulgação

Especialistas analisam as formas de combate à violência contra a mulher no Brasil e explicam a legislação em torno do tema

Dia 25 de novembro (último sábado) é marcado como o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as mulheres, porém não há muitos motivos para celebração. A violência contra a mulher ainda é um dos problemas mais graves e urgentes da sociedade brasileira. Segundo a 10ª Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, feita pelo Instituto DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), divulgada em novembro de 2023, três a cada dez brasileiras disseram já ter sido vítima de violência doméstica.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que os casos de feminicídio e de estupro cresceram, respectivamente, 2,6% e 14,9% no primeiro semestre de 2023. De acordo com os dados da organização, o número de mortes de mulheres por razões de gênero cresce ininterruptamente no Brasil desde 2019. A fonte dessa pesquisa são os boletins de ocorrência registrados pelas Polícias Civis dos estados e do Distrito Federal. Assim, se os dados apresentados nos boletins de ocorrência já indicam uma situação alarmante, a verdadeira magnitude do problema é ainda mais grave.

Os sub-registros, segundo Rafael Paiva, advogado criminalista, pós-graduado e mestre em Direito e especialista em violência doméstica, decorrem, principalmente, do medo de denunciar. “Muitas mulheres, com razão, desconfiam do sistema judiciário brasileiro, que ainda é extremamente machista. As delegacias de polícia, mesmo as das mulheres, normalmente não contam com profissionais aptos para atendimento das vítimas”, explica.

Além disso, muitas mulheres estão presas ao ciclo da violência, constituído por três etapas. Em um primeiro momento, o agressor mostra-se tenso e irritado por coisas insignificantes. Ele também humilha a vítima, faz ameaças e destrói objetos. Na segunda fase, a falta de controle chega ao limite e leva ao ato violento. Por fim, aparece o arrependimento do agressor, que se torna amável para conseguir a reconciliação. Nesse momento as mulheres, por uma dependência emocional, familiar ou financeira, como pontua Paiva, voltam a se relacionar com o agressor e o ciclo recomeça.

Formas de violência doméstica e a legislação

Rafael Paiva/Divulgação

Rafael Valentini, advogado criminalista e sócio do FVF Advogados, explica que a Lei Maria da Penha (Lei n.º 11.340/2006) estabelece que são formas de “violência doméstica e familiar contra a mulher” a violência física, sexual, psicológica, patrimonial e moral. Para além dessa definição prevista em lei, é possível afirmar que os crimes de estupro (incluindo o de vulnerável, que é um delito autônomo), a importunação sexual e o feminicídio, todos previstos no Código Penal, também são espécies claras de violência contra a mulher.

Para combater todos esses tipos de violência, a Lei Maria da Penha se apresenta como principal instrumento normativo, por se tratar de lei específica sobre o tema e prever ferramentas para execução desse combate como as medidas protetivas (afastamento temporário do agressor do lar, impossibilidade de comunicação ou contato com a vítima etc.).

“Além disso, se um crime contra a mulher é praticado dentro do contexto que a Lei Maria da Penha define como ‘violência doméstica e familiar contra a mulher’, o agressor perde diversos benefícios previstos em lei, como a possibilidade de firmar acordos penais com o Ministério Público para evitar um processo criminal. O Código de Processo Penal também prevê ferramentas que podem ser muito úteis na proteção à mulher vítima de violência (as medidas cautelares e, em casos extremos, a prisão preventiva)”, destaca Valentini.

Há motivos para esperança. Nos últimos anos, foram criados crimes, como o delito de descumprimento de medida protetiva (Lei 13.641/2018) e o feminicídio (Lei 13.104/15), além de ter sido facilitado o acesso às medidas protetivas de urgência previstas (Lei 14.550/2023), na Lei Maria da Penha, tudo como forma de tornar mais célere e efetiva a prevenção e repressão a estes crimes.

Como combater a violência estrutural contra mulheres

Para Raquel Gallinati, Delegada e Diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, o combate à violência estrutural contra as mulheres deve integrar educação, conscientização e medidas governamentais. A educação para prevenir a violência contra as mulheres deve focar em promover valores de respeito, igualdade e empatia desde cedo. Isso inclui:

– Abordar e questionar estereótipos que perpetuam atitudes prejudiciais, incentivando uma visão igualitária dos gêneros;

– Educar sobre o respeito ao consentimento e a importância de relações baseadas no consentimento mútuo;

– Proporcionar modelos de comportamento positivo em relação ao tratamento das mulheres, seja em casa, escola ou sociedade;

– Incluir educação sexual que promova relações saudáveis, consciência sobre a diversidade e respeito pelas escolhas individuais;

– Abordar a natureza prejudicial da violência de gênero e suas consequências, promovendo uma cultura de rejeição a qualquer forma de agressão.

“Essas abordagens, quando integradas ao currículo educacional e à conscientização social, contribuem para criar uma base sólida na formação de homens respeitosos e comprometidos com a igualdade de gênero”, destaca Gallinati.

Para fortalecer a proteção das mulheres vítimas de violência doméstica, políticas públicas abrangentes podem ser implementadas, incluindo:

– Estabelecimento e manutenção de casas de abrigo seguras para mulheres que precisam deixar ambientes violentos, oferecendo suporte emocional e recursos essenciais;

– Facilitar o acesso das vítimas à justiça, incluindo assistência jurídica gratuita e simplificação dos procedimentos legais;

– Desenvolver campanhas educativas para conscientização sobre a violência doméstica, seus impactos e como buscar ajuda, visando a mudança de atitudes culturais;

-Avaliar e aprimorar as leis relacionadas a crimes de violência doméstica, estupro e feminicídio, garantindo penas proporcionais e eficazes;

– Estruturar a porta de entrada do sistema de justiça criminal, por meio do reconhecimento e valorização dos profissionais, além de capacitar policiais, médicos e assistentes sociais, para identificar sinais de violência doméstica e oferecer suporte adequado;

– Garantir que medidas protetivas, como ordens de restrição, sejam eficazes e aplicadas de maneira rigorosa;

– Estabelecer mecanismos de cooperação entre diferentes órgãos, como a polícia, o sistema judiciário, e serviços sociais, para garantir uma resposta coordenada e eficiente;

– Desenvolver políticas que promovam o empoderamento econômico das mulheres, aumentando a independência financeira e reduzindo sua vulnerabilidade.

Fontes:

Rafael Valentini – advogado criminalista, pós-graduado em Direito e Processo Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e sócio do FVF Advogados.

Raquel Gallinati, delegada de polícia. Diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil. Mestre em Filosofia. Pós-graduada em Ciências Penais, Direito de Polícia Judiciária e Processo Penal.

Rafael Paiva, advogado criminalista, pós-graduado e mestre em Direito, especialista em violência doméstica e professor de Direito Penal, Processo Penal e Lei Maria da Penha.

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