Neurocirurgiã de Brasília faz primeiro procedimento com nova tecnologia para tratamento da dor crônica

Estimulação do Gânglio da Raiz Dorsal, ou DRG, chega ao Distrito Federal após dois anos de espera por pacientes que não respondem mais a outros tratamentos. Técnica inovadora é último recurso para evitar cirurgia no cérebro, por exemplo

Foram mais de dois anos de espera para que um procedimento de alta tecnologia no tratamento da dor crônica chegasse ao Brasil. Trata-se da Estimulação do Gânglio da Raiz Dorsal ou DRG (_Dorsal Root Ganglion_, na sigla em inglês), realizada pela primeira vez no Brasil e no Distrito Federal por uma médica neurocirurgiã formada pela Universidade de Brasília (UnB).

“É uma nova tecnologia indicada para pacientes com dores muito fortes e como último recurso antes de uma cirurgia no cérebro, por exemplo”, explica a neurocirurgiã Valéria Patrícia de Araújo. “Ao invés de bloquearmos a dor introduzindo eletrodos ao longo da medula espinhal, como se faz pelo método tradicional, agora os eletrodos são implantados só na raiz do nervo que gera a referida dor”, acrescenta a neurocirurgiã e especialista em dor, membro das sociedades brasileiras de Neurocirurgia e da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia Funcional. 

O primeiro implante DRG cervical do país foi realizado por Valéria Araújo e o médico Luiz Cláudio Modesto, em um paciente de Brasília, no último sábado (20). É um servidor público praticante de judô, de 67 anos, que passou a ter dor crônica após contrair Herpes Zoster, doença infecciosa transmitida pelo vírus Varicella-Zoster, que provoca bolhas na pele e dores intensas.

Após um procedimento prévio de teste do método, no final de outubro, os eletrodos foram implantados de forma definitiva. Nesta quarta-feira (24), foi ligado o “gerador”: um pequeno marca-passo, que fica sob a pele, mantendo os eletrodos ativos e com níveis mais baixos de corrente elétrica do que em outros métodos.

“O paciente se recupera muito bem”, conta Valéria Araújo. “Ele já havia tentado todos os tratamentos e medicamentos possíveis para alívio da dor, incluindo morfina, antidepressivos, canabidiol, fisioterapia, acupuntura. Nada resolvia”, observa a médica.

No teste feito em outubro, os eletrodos foram implantados com sucesso e o paciente passou oito dias em observação. “A dor diminuiu muito e ele até passou a dormir bem, algo que não conseguia há anos”, comemora a neurocirurgiã.

DRG — A Estimulação do Gânglio da Raiz Dorsal funciona direcionando os estímulos elétricos dos eletrodos à fonte da dor. Ao contrário da estimulação convencional da medula espinhal, a DRG evita fibras nervosas que transmitem mensagens de regiões não dolorosas.

Como explica Valéria, o procedimento é indicado para pacientes com dor crônica do tipo neuropática que já não respondem a outros tratamentos. A dor neuropática resulta de lesão no sistema nervoso, podendo ser provocada por disfunção, infecções (como herpes) ou doenças (como diabetes, isquemias). Conforme observa a neurocirurgiã, alguns dos pacientes têm dores intensas e incapacitantes, podendo chegar a 10% dos casos de dor crônica.  

Os gânglios da raiz dorsal são aglomerados de células nervosas, localizadas em cada lado da vértebra espinhal, que transmitem dor e sinais sensoriais para a medula espinhal e o cérebro. “O objetivo da DRG é impedir que os sinais de dor cheguem ao cérebro”, resume Valéria Araújo.

Além de diminuir a taxa de insucesso em relação a outras técnicas de estimulação, a nova tecnologia melhora a taxa de resposta do nervo estimulado, reduz custos [com a ruptura/quebra de eletrodos, por exemplo] e aumenta a qualidade de vida dos pacientes. O procedimento demanda apenas um pernoite hospitalar. “Na semana seguinte à colocação dos eletrodos e não havendo intercorrências, o gerador é implantado definitivamente, com troca da bateria só de oito em oito anos”, detalha a especialista.

Todos os procedimentos são cobertos por planos de saúde e também podem ser demandados ao Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez que foi autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em Brasília, esta primeira DGR cervical foi realizada no Hospital Santa Luzia – Rede D’Or São Luiz.

DOR CRÔNICA — Estimativas dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDCs) sugerem que cerca de um em cada cinco adultos nos Estados Unidos convive com dor crônica. No Brasil, conforme pontua Valéria Araújo, de 30% a 40% da população sofre com este tipo de enfermidade.

PERSEVERANÇA — Graduada pela UnB em 2002, a neurocirurgiã Valéria Patrícia de Araújo nasceu em Brasília, filha de pai confeiteiro e mãe do lar. Na época da faculdade, Valéria morava com a família em Taguatinga, que fica cerca de 40 quilômetros distante da UnB.

“Para chegar à universidade, eu acordava às 5 horas. Passava o dia inteiro estudando e no tempo que sobrava à noite, eu trabalhava como secretaria escolar para ajudar nas despesas de casa”, relembra a médica. “Antes de passar no vestibular, me diziam que Medicina não era para mim porque eu estudava em escola pública. Passei. Entrei na UnB. E superei várias adversidades durante os seis anos da graduação. Ainda assim, ouvia de muitas pessoas, quando eu dizia que queria ser neurocirurgiã: ‘Minha filha, Neurocirurgia é coisa pra homem’”, conta.

Depois de concluir a residência médica no Hospital de Base de Brasília, referência no país, Valéria especializou-se em Neurocirurgia Funcional [que atua em distúrbios de movimentos e dor], tendo passado pelo serviço de Neurocirurgia da Universidade de São Paulo (USP). Depois, conquistou mais experiência e qualificações pelo National Hospital for Neurology and Neurosurgery de Londres (Inglaterra)e em Hiroshima (Japão).

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