Câmara analisa novas regras sobre separação de bens durante casamento ou união estável; “PL já nasceu desatualizado”, diz especialista

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Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações da Agência Câmara de Notícias)

Novas regras sobre separação de bens durante casamento ou união estável estão em análise na Câmara dos Deputados. O texto, aprovado em dezembro pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, é o substitutivo do relator, deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), ao Projeto de Lei 3349/2020, do ex-deputado Geninho Zuliani (SP).

A proposta altera o Código Civil (Lei 10.406/2002), que, atualmente, prevê a separação obrigatória de bens no casamento em caso de pessoas: com causa suspensiva de casamento, como divorciado sem partilha de bens; com mais de 70 anos; ou dependente de decisão judicial, como adolescentes entre 16 e 18 anos sem consentimento de algum dos pais.

Se aprovada, a separação obrigatória de bens também valerá para os casos de união estável de pessoas nessas situações. Também é previsto que, nessas hipóteses, o casal poderá estipular, por pacto antenupcial ou por contrato escrito (no caso de união estável), que não serão compartilhados os bens adquiridos durante a união.

O relator busca evitar a validade da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal – STF para casos de casamento ou união estável com separação obrigatória de bens. A súmula determina que bens imóveis adquiridos depois do casamento sejam compartilhados em casos de posterior separação, mesmo para essas situações particulares previstas em lei.

A proposta segue para análise em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

“PL já nasceu desatualizado”, diz especialista

Para o juiz Wlademir Paes de Lira, presidente da Comissão de Magistrados da Família do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o PL “já nasceu desatualizado e em discrepância com o que já vinha sendo defendido na doutrina e reconhecido em algumas decisões, que é a inconstitucionalidade da separação obrigatória de bens para maiores de 70 anos”.

O magistrado lembra que o STJ já entende pela necessidade de estender às uniões estáveis a obrigatoriedade da separação de bens. Ele cita o REsp 1403419/MG, com relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

De acordo com Wlademir, já havia uma tendência majoritária na doutrina sobre a inconstitucionalidade da previsão. “Talvez na intenção de ‘proteger’ patrimonialmente as pessoas mais velhas, o dispositivo limitou substancialmente o direito fundamental da pessoa com mais de 70 anos a liberdade de escolher o regime de bens pelo qual pretende casar.”

“Por um lado, presume que uma pessoa maior de 70 anos será enganada por outra mais nova que pretende, por meio do casamento, causar-lhe prejuízo patrimonial – uma presunção absurda, principalmente hoje, em que as pessoas com mais de 70 anos estão decidindo os rumos do país, julgando casos extremamente complexos e vultosos e comandando grandes corporações, e não têm condições de escolher o regime de bens com o qual pretendem se casar, para não serem ‘enganadas’. Tal previsão sequer foi recepcionada pela Constituição, sendo portanto, inválida por vício de inconstitucionalidade”, avalia.

Para o especialista, não se pode presumir incapacidade para mitigar direitos fundamentais, como foi posteriormente reconhecido expressamente pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. “A limitação na escolha do regime de bens tanto no casamento como na união estável deve está diretamente ligada à capacidade da pessoa, garantindo sua autonomia.”

Ele acrescenta: “Ou seja, não havendo incapacidade para a escolha do regime de bens, sob pena da possibilidade de prejuízo, devidamente atestada por profissional habilitado, há de se garantir à pessoa, qualquer idade que tenha, a escolha livre do regime com o qual pretende se casar ou que deve reger sua união estável”.

Julgamento no STF

O Supremo Tribunal Federal – STF ainda vai decidir sobre a inconstitucionalidade do artigo 1.641 do Código Civil, que impõe o regime de separação de bens no casamento de maiores de 70 anos.

Leia mais: STF encerra ano sem decidir sobre imposição de regime de bens para pessoas acima de 70 anos

Sobre o julgamento, o diretor nacional do IBDFAM prevê: “O Supremo deve declarar inconstitucional o inciso II, do artigo 1.641, do CC, até porque, alguns ministros já têm mais de 70 anos ou estão muito perto dessa idade”.

“Nesse caso, o PL passa a ser um natimorto, ou seja, já é inconstitucional antes da aprovação. O STF vai julgar a limitação à autonomia e assim, se confirmando, nenhuma lei posterior pode modificar o que o STF entendeu inconstitucional por ferir direitos fundamentais”, explica.

Segundo o juiz, se o STF mantiver válido o dispositivo, “o PL passa a ter importância no sentido de unificar o tratamento entre casamento e união estável e possibilitar, por meio de documento escrito, que não se aplique em ambos os casos a Súmula 377 do STF, o que já vem sendo defendido por boa parte da doutrina especializada no Brasil”.

O especialista acredita que controvérsias devem surgir, mas as questões devem ser uniformizadas pela jurisprudência. Entre elas, a alegação, por uma das partes, de que apesar do documento escrito, a não partilha de bens adquiridos durante a convivência se caracteriza, comprovadamente, enriquecimento ilícito por uma das partes.

“No caso do Direito das Sucessões, encerra-se a controvérsia que, independentemente da idade, considera-se para efeito sucessório que o regime aplicado para efeito de herança é o da comunhão parcial, o que traz diferenças significativas ao se passar a adotar a separação obrigatória de bens. Tudo isso vai depender, como já assinalei, da decisão do STF sobre o tema”, conclui.

Por Débora Anunciação

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