Combate ao Trabalho Infantil

12 de Junho de 2023 às 09:00

12 de junho é um dia dedicado à luta contra uma terrível realidade que é o trabalho infantil. Esta data é uma oportunidade para sensibilizar, informar, debater e dar destaque ao combate a essa violação de direitos de crianças e adolescentes.

Neste 12 de junho, o trabalho infantil é combatido mundialmente: “Justiça social para todas as pessoas. Vamos acabar com o trabalho infantil!”. O tema para o ano 2023 é apresentado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência multilateral da Organização das Nações Unidas (ONU).

O combate vem mostrando resultados. A OIT relata uma redução contínua do trabalho infantil neste novo milênio. Nas últimas décadas, o mundo retirou quase 100 milhões de crianças do trabalho, reduzindo o número de 246 milhões, em 2000, para 152 milhões de trabalhadores infantis em 2016. 

Entretanto, em uma estimativa global realizada em 2020, a agência alerta que o progresso rumo ao fim do trabalho infantil ficou estagnado pela primeira vez em 20 anos. Fatores como conflitos regionais, crises econômicas e a pandemia de covid-19 arrastaram mais famílias à condição de pobreza, forçando milhões de crianças e adolescentes ao trabalho. A OIT estima que atualmente 160 milhões deles trabalham, quase um a cada dez pelo mundo – há 72 milhões de indivíduos dessa faixa etária trabalhando na África Subsaariana hoje, mais do que no resto do mundo combinado. Ásia e Pacífico utilizam 62 milhões de crianças e adolescentes em sua produção.

A agricultura é o setor que mais se utiliza dessa mão de obra. São 112 milhões de indivíduos em todo o mundo, representando 70% das crianças e adolescentes que trabalham. Em seguida o setor de serviços, com 31,4 milhões (20%), e a indústria, que emprega 16,5 milhões (10%). A incidência de trabalho infantil em zonas rurais (14%) é quase o triplo da prevalência em áreas urbanas (5%).

De acordo com a OIT, a maior parcela do trabalho infantil ocorre dentro das famílias. Cerca de 72% do trabalho realizado por crianças e adolescentes e 83% das atividades de crianças de 5 a 11 anos vinculam-se à família do indivíduo, prioritariamente nas fazendas e pequenos negócios familiares. 

O trabalho infantil no Brasil hoje

Os dados mais atualizados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em sua Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) realizada entre 2016 e 2019, mostram um Brasil com 1,8 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos em situação de trabalho infantil. Dessa estimativa, 1,3 milhão de pessoas realizavam atividades econômicas e 463 mil apenas atividades de produção para consumo próprio (autoconsumo).

Em relação à faixa etária dos trabalhadores infantis, mais da metade, 53,7%, estava no grupo de 16 e 17 anos; 25,0% era formado pelo grupo de 14 e 15 anos; e 21,3% pelo segmento de 5 a 13 anos de idade. Quanto ao gênero, cerca de metade da população geral de 5 a 17 anos era formada por homens. Já na população em situação de trabalho infantil, a presença masculina subia para 66,4%.

Em relação à  cor ou raça, a pesquisa indica que pretos ou pardos, representando 60,8% da população desse grupo etário, perfazem 66,1% dos que trabalham. A proporção dos indivíduos de cor branca em situação de trabalho infantil era inferior (32,8%) à estimativa da população branca nessa idade (38,4%) em 2019.

A presença na escola também foi afetada. Enquanto 96,6% da população de 5 a 17 estudava, a estimativa é reduzida para 86,1% entre os trabalhadores infantis.

Em 2019, 448 mil pessoas entre 5 a 17 anos realizavam atividade econômica e residiam em domicílios que possuíam renda oriunda de benefícios do Programa Bolsa Família ou Benefício de Prestação Continuada (BPC), da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), representando 29,1% da população dessa faixa etária que trabalha. 

Lista das piores formas de trabalho infantil 

No Brasil, em 2019, havia 706 mil pessoas de 5 a 17 anos de idade em ocupações consideradas as piores formas de trabalho infantil. Essas atividades integram a lista consolidada na Convenção 182 da OIT, ratificada pelo Decreto 6.481 de 2008. A lista inclui todas as formas de escravidão ou práticas análogas, o envolvimento de crianças em exploração sexual, em atividades ilícitas e em trabalhos que, por sua natureza ou circunstância, oferecem risco à saúde, segurança ou à moral da criança (Artigo 3).

O trabalho infantil e a evolução legislativa

Para a ONU, trabalho infantil é aquele que priva a criança de sua infância, seu potencial e sua dignidade. É o trabalho praticado por crianças abaixo da idade mínima especificada legalmente para o desempenho daquela função. Pressupõe-se, então, um trabalho legislativo definido sobre o tema – a Lei deve dizer o que é, em sentido estrito, o trabalho infantil.

Foi justamente a busca pela justiça social, tema das discussões desse ano, traduzida em diversas frentes, que impulsionou a mudança de foco da legislação sobre o tema no Brasil e no mundo. 

A ONU reconhece que nem todos os trabalhos realizados por crianças devem ser considerados trabalho infantil, mas há um vasto universo daqueles considerados inaceitáveis para uma criança, estes, sim, proibidos por lei mundo afora. Leis nacionais devem estabelecer as condições para esse trabalho, conforme a Convenção 138 da OIT, visando sempre o aumento progressivo da idade mínima para admissão e em um nível consistente com o desenvolvimento físico e mental do jovem trabalhador. Ao beneficiar desenvolvimento pessoal e social, sem interferência na escolaridade e na infância, a atividade laboral promove experiências profissionais e habilidades técnicas, defendem os que discutem a pauta.

Vem da Revolução Industrial inglesa uma silhueta mais próxima do que se combate nesta data. A lei, pilar de nossa sociedade há séculos, deixou apenas para o início do século  XIX a discussão sobre o trabalho infantil. Das minas inglesas, em macacões cobertos de fuligem, emergiam trabalhadores e trabalhadoras das mais diversas idades, incluídas as que ali nunca deveriam se aventurar. O Ato para preservação da saúde e moral de aprendizes empregados em moinhos de algodão e outros moinhos, lei de 1802, pode ser considerada precursora no mundo. Sensível à sua época, a lei fixa, por exemplo, em 12 horas a jornada laboral máxima do menor de idade e proíbe o trabalho noturno aos infantes.

Pode parecer pouco, mas para melhor compreensão do peso da medida, vale lembrar as condições de trabalho, por exemplo, da indústria têxtil britânica à época, onde os “aprendizes” começavam muitas vezes aos quatro, cinco anos, apontam historiadores do tema – desde que fossem considerados capazes de atenção e obediência. Na forma cinematográfica de Chaplin, clichê marcante e verdadeiro no imaginário sobre a época, seria uma criança a girar pelas engrenagens. Na vida real, eram casos como o de meninos de três anos limpando chaminés, pendurados na Inglaterra até pouco antes do século XIX, que influenciaram o debate legislativo.

Mas o foco da legislação eram as atividades, impróprias até mesmo para a época, das crianças submetidas a jornadas exaustivas e condições de trabalho desumanas nas fábricas e minas. Em uma perspectiva de evolução, mesmo que fundamental naquele momento, a legislação pode ser considerada protetiva do trabalho, ao direito e às condições de trabalho – e não ao sujeito de direitos, a criança.

Para pensar a jornada percorrida pela legislação sobre o tema desde então, vale incorporar a concepção da OIT: o trabalho infantil tem suas raízes, antes de tudo, na pobreza. Na família e na comunidade, a pobreza associada à escassez de oportunidades no mercado de trabalho, à proteção social insuficiente e à falta de educação e serviços gratuitos e de qualidade resultam, de acordo com a OIT, no uso de mão de obra infantil. Há, portanto, o fator econômico, a organização dos meios de produção, a responsabilidade estatal, além da particular. O Estado, e não somente a família, deverá assumir funções positivadas em lei sobre o tema nas discussões mais contemporâneas.

No cenário trabalhista brasileiro da virada do século XX, o país readaptava sua mão de obra ao fim da escravidão. Uma industrialização em estágio inicial não era capaz de absorver toda a mão de obra ociosa. As cidades inchavam, o desemprego e a criminalidade disparavam. Um grande contingente de trabalhadores marginalizados elevou as estatísticas da pobreza e, consequentemente, levou milhares de crianças a procurar trabalho.

Em meio a um Brasil incapaz de empregar a todos, foi estabelecido um marco legislativo brasileiro sobre o crescente trabalho infantil, o “Código de Menores”, para muitos a primeira lei no país dedicada à proteção da infância e da adolescência. O “Código Mello Mattos”, nomeado em homenagem ao jurista baiano José Cândido de Albuquerque Mello Mattos, cuidava não de todos os menores de 18 anos, mas apenas do abandonado ou do delinquente (Art. 1°).

Apesar do distanciamento ao ideal, vale o destaque de uma das principais inovações advindas do Código: o Estado brasileiro assumia, pela primeira vez, a responsabilidade por uma parcela da população antes legada apenas à família, à sociedade. O Código é considerado sistemático, ao consolidar normas anteriores, e humanizador, pois estabelece normas fundamentais sobre o tema que viriam a influenciar, inclusive, as disposições de nossa atual Constituição. É um exemplo da inovação jurídica a proibição absoluta de trabalho dos menores de 12 anos, estendida aos menores de 14 anos em nossa Carta Magna. A essência legislativa do Código alinha-se a uma tendência mundial de maior participação do Estado no bem-estar social e traz a ideia embrionária do “melhor interesse da criança”, posteriormente adotado em nosso país.

O código perdurou até 1979, substituído durante a ditadura militar por uma legislação condizente à ideologia da época, com a preocupação fundamental em manter a ordem social. O Código de Menores de 1979 (Lei 6.697/79) e a Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBEM), Lei 4.513/64, são vistos como retrocesso ao buscar o controle social da infância e adolescência “em situação irregular”. Enquanto em âmbito internacional já se discutia, na Convenção Americana dos Direitos Humanos de 1969, por exemplo, que “toda criança terá direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer, por parte da sua família, da sociedade e do Estado”. Os dispositivos do Código de 79 traziam medidas polêmicas, como prazos indeterminados de internação e a passagem à esfera criminal do menor que atingisse maioridade. Apesar dos avanços, o Código de Menores de 1927 e a legislação posterior não foram capazes de garantir, efetivamente, às crianças sob a tutela do Estado um tratamento com dignidade, proteção e recuperação de forma efetiva.

CF-88 e o ECA: a doutrina da proteção integral

Sob a influência dos diversos dispositivos supraestatais, a exemplo das Convenções da OIT, o Brasil passa a adotar não mais o direito de natureza punitiva da criança, a doutrina da situação irregular, mas sim o modelo do direito protetivo, conhecido como a doutrina da proteção integral.

É apenas com a Constituição Cidadã que o Brasil tem concretizado esse novo paradigma. Em seu artigo 227 a Constituição Federal de 1988 estabelece:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

O dispositivo é visto por especialistas em direitos da criança como um resumo da Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovado pela Assembleia Geral da ONU e ratificado por 196 países em 1989. Nossa Constituição prevê, também, como um direito social fundamental, em seu art. 7°, inciso XXXII, a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.

A elevação ao status constitucional desse conjunto de regras e, em seguida, as inovações advindas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, permitiram que a criança e o adolescente, vistos agora como pessoas em desenvolvimento, passassem a ser, enfim, sujeitos detendores de direitos, e não mais objeto de direitos. O ECA, Lei 8.069/90, aborda 20 artigos sobre o trabalho infantil. Além dos preceitos constitucionais, aborda, por exemplo, os direitos à profissionalização e à proteção no trabalho, à formação técnico-profissional e assegura o direito de escolarização e profissionalização dos adolescentes privados de liberdade.

Além do avanço legislativo, de acordo com a OIT, os avanços do Brasil na prevenção e erradicação do trabalho infantil devem-se, por exemplo, às importantes ações no sentido da universalização da educação básica, ações na fiscalização do trabalho, além de políticas públicas de transferência de renda condicionada (como o Bolsa Família e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil-PETI).

Projeto de conscientização avança na Alego

Em trâmite na Alego, a proposição 9350/21, da ex-deputada Delegada Adriana Accorsi (PT) visa instituir o Junho Vermelho, mês dedicado à conscientização e erradicação do trabalho infantil em Goiás. O projeto de lei, relatado pelo deputado Amilton Filho (MDB), recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Alego e aguarda análise no Plenário da Casa.

Todos combatendo o trabalho infantil

De acordo com a ONU, o risco do aumento de casos de trabalho infantil cresce em cenários de crise, conflitos e desastres. A visibilidade do tema na sociedade promove discussões e melhorias das estratégias de prevenção e erradicação do trabalho infantil. O fortalecimento da proteção social é considerado uma ferramenta essencial para a redução e, eventualmente, a eliminação do trabalho infantil.

Ao presenciar alguma situação de trabalho infantil, denuncie. Confira os canais oficiais de denúncias:

Disque 100

O Disque Direitos Humanos (Disque 100) é um serviço de disseminação de informações sobre direitos de grupos vulneráveis e de denúncias de violações de direitos humanos. O serviço funciona 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados.

Conselho Tutelar e Delegacia Regional do Trabalho 

Consulte o endereço do Conselho Tutelar do seu município no Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (Sipia), do Ministério da Justiça. A busca deve ser feita por UF e município.

Ministério Público do Trabalho 

Para fazer denúncia on-line, basta acessar o link https://mpt.mp.br/pgt/servicos/servico-denuncie.

Conselho Superior da Justiça do Trabalho

Denúncias também podem ser encaminhadas para a Ouvidoria do CSJT.

Agência Assembleia de Notícias

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